DE CHEGADA
Eis que aparece um projeto tão esperado por mim. Depois de algum tempo, consigo pôr em prática um espaço de publicações onde a palavra se faz mestra. E o Diversos Afins surge em meio às febres das enxurradas de textos diversos e soltos pela grande rede. Nasce com vontade própria e deseja caminhar por entre as gentes. A proposta principal é a de deixar marcadas as impressões e vestígios deixados pela cultura em nosso imaginário. Falo nosso, porque este baú de artefatos mil não é apenas meu, mas um porto onde quem quiser chegar e ancorar suas idéias, desde já, sinta-se abraçado. Saudações aos nossos leitores e colaboradores!
Fabrício Brandão
Cinema Paradiso
FRAGMENTO
(...) Mas seu coração vivia em constante, turbulenta agitação. Os conceitos mais fantásticos e grotescos perseguiam-no, à noite, em seu leito. Um universo de inefável pomposidade desenrolava-se em seu cérebro, enquanto ouvia o tique-taque do relógio sobre o lavatório, e a lua inundava, com sua úmida claridade, as suas roupas, amontoadas no chão. Cada noite ele acrescentava algo às suas fantasias, até que a sonolência descia sobre alguma cena vívida com o seu manto de esquecimento. Durante algum tempo, esses devaneios proporcionavam uma válvula de escape à sua imaginação; eram uma sugestão satisfatória da irrealidade da realidade, uma promessa de que o rochedo do mundo se apoiava com segurança sobre uma asa encantada.(...)
(Do livro O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald)
SE PENSARES
A CONSCIÊNCIA DE SENTIR AS COISAS
Por Fabrício Brandão
O mesmo andarilho que se lança aos rumos aparentemente infindos da incerteza é este que, agora, questiona os passos já deixados na areia de uma praia chuvosa. Para onde remetem as tais visões pluviais imaginadas ou quiçá sonhadas? De certo, estas não têm obrigação alguma de representar o intervalo de um repouso noturno, mas sim a constatação de imagens desejosas do fio sensível da vida.
Ficaram coisas realmente importantes para trás ou aprendemos, a duras penas, a desinventar os seres de um convívio de outrora? Aqui nesta idéia, parece haver também um espaço de desmanche de certos lugares percorridos como se suas trilhas não mais oferecessem solução alguma. À memória recorrente, então, caberia a função de selecionar o algo útil para a nossa sobrevida atual, o nosso rosto de agora. Talvez fossemos até capazes de uma atitude risível frente a nosso passado marcante como forma de fuga de um equívoco praticado. Não saberia dizer se nada disso importa, apenas sinto a permanência de tudo sob a face oculta e, por vezes, bem guardada das horas que passam. Entre nossas humanidades e aquilo que vestimos quem será a regra mutável?
É difícil conter a ânsia permanente pelo saber e sabor. Sinto-me em suspensão juntamente a uma misteriosa sensação de desterritorialidade. Na mente, não habita um lugar físico definido onde amansarei a fera sedenta por um tudo ou nada. Tampouco são minhas estas palavras escritas no texto insone da vida. Tomo-as emprestadas ao forasteiro que me visita sem propósitos explícitos.
Parece haver uma inconfundível alegria depois de alguns dispersos ritos de passagem. Aceito a mudança como o processo mais freqüente da existência, mesmo que esta venha dotada do combate a certos fantasmas e indignações. Recuso a apatia pós-moderna, o isolamento virtual, a indiferença, a impossibilidade do amor romântico e do amor universal. É preciso observar tudo de olhos bem abertos, principalmente os mínimos lampejos existenciais. Para não sermos destruídos por completo, eliminemos o mal maior: a inexistência de pathos pela nossa tão curta vida.
JANELA POÉTICA (I)
EM BUSCA DA IDENTIDADE
Neuzamaria kerner
Não joguei fora o meu batom.
Não rasguei as minhas saias.
Não aceitei os rótulos ridículos
com os quais quiseram me enfraquecer.
Não rejeitei minha porção gueixa
e nem fiz queixa a ninguém
do quanto doeu redefinir
minha identidade
que por infidelidade
a mim mesma
quase perdi.
Retomei o meu nome
o meu batom
as minhas saias.
Hoje
ouso remendar os cacos
do que as gerações anteriores
quebraram sobre mim.
(Do livro Eu bebi a Lua, Ed. Bureau, Salvador/Ba. 1995)
RELATOS (I)
A ARTE DA POESIA
por Antonio Naud Júnior (*)
Embora haja quem diga o contrário, a mais antiga profissão do Mundo deve ser realmente a de poeta. Como guardiões da história oral da sua cultura, os poetas gozavam, nos tempos antigos, de uma posição particularmente elevada. Tal como a própria poesia, considerada patrimônio de monges e filósofos, reis e profetas. Durante a era imperial do Japão, versejar fazia parte integrante da vida da corte. A reputação de um nobre entre os seus pares podia subir de modo espetacular ou cair precipitadamente devido a um simples improviso poético – e até a própria forma de um cortesão desenhar os caracteres de sua poética era considerada um índice da sua índole e do seu valor. É muito natural que o poeta use frequentemente as formas utilizadas pelos que escrevem em prosa: o enredo e a cronologia. Mas enquanto o prosador se confina geralmente a frases, parágrafos e capítulos, o poeta utiliza muitas outras combinações de sons e sentidos, sempre com o objetivo de relacionar e intensificar o material de que dispõe. Para Samuel Taylor Coleridge, grande poeta romântico, nessa capacidade residia a glória do poder poético.
Existem muitas formas de exaltação e muitas maneiras de a despertar e de a exprimir através da linguagem. A humanidade levou milhares de anos a explorar as fontes de linguagem sem se esgotar. Essas buscas desenvolveram e reforçaram o melhor que a linguagem tem para oferecer, e os poetas foram acumulando gradualmente métodos e formas-padrão a par de uma temática convencional. Ao longo desse demorado processo, a arte da poesia foi-se tornando cada vez mais sofisticada e especializada; e de tal modo especializada que, por vezes, acaba por ficar fora do alcance do indivíduo comum. Os poetas sabem que as regras de poesia são meramente convencionais e recorrem com freqüência a curiosos artifícios, na esperança de encontrarem novas maneiras de alargarem as potencialidades da linguagem. Inventam formas que tirem partido das possibilidades de rima e intensificam as repetições gramaticais. Christopher Smart, excêntrico poeta do século XVIII, escreveu uma composição de 73 versos sobre o seu gato, começando cada verso com a palavra for, por exemplo. A construção de Smart produz efeito, mas serve apenas para esse poema; mais vulgarmente, os poetas criam e transmitem aos outros formas aplicáveis a diversas finalidades. De todas essas formas, a mais conhecida é provavelmente o soneto; mas existem muitas mais, inclusive com repetições e associações de maior intensidade.
O verso pode variar no tipo, na extensão, no número de sílabas e na acentuação, nas repetições e combinações de som e acento. Além disso, alguns poetas, tirando partido do fato de a poesia ser mais frequentemente lida do que ouvida, criaram formas visuais que conferem ao poema um sentido simultaneamente espacial e verbal. Poetas houve que escreveram poesias sobre um cone de sorvete, um edifício, uma árvore e cuja configuração é a do próprio tema. Mas os gêneros de poesia que através dos tempos maior significado têm revestido aos olhos do leitor pouco têm a ver com estes complicados jogos de sons e espaços. O nosso interesse por aquilo que os poetas nos podem dizer sobre a vida e sobre nós próprios leva-nos a procurar formas mais vastas de poesia, semelhantes a certas composições em prosa. À parte o drama, a forma mais popular de poesia no Ocidente foi a epopéia e formas congêneres. Seguiram-se, em popularidade, as formas que subordinaram a narrativa aos comentários do autor: poesia meditativa, poesia visionária e poesia satírica, por exemplo. E temos, por último, uma outra forma atualmente tão popular que quase eclipsa as outras: a composição lírica. Nenhum desses gêneros se confina a regras estritas ou mesmo evidentes. Tal como o romance, que escapa constantemente a qualquer definição, também a epopéia, o drama, a própria lírica, não podem ser estigmatizados em formas, métricas e elementos fixos. O que não tem qualquer inconveniente, exceto aos olhos de alguns teóricos que gostariam de classificar e rotular todo o Universo. Para a maior parte das pessoas, essas formas livres encorajam uma equivalente abertura de espírito a todas as possibilidades e variedades de expressão literária.
Como vimos, a poesia não está necessariamente ligada a formas e modelos específicos de verso. Na verdade, pode não ser escrita em verso, e nem tudo o que é escrito em verso é poesia. Apesar da ausência de métrica e rima, esta frase de Franz Kafka é poesia, mesmo em tradução: “Os cães de caça brincam no pátio, mas a lebre não lhes escapará, embora ainda neste momento corra veloz pela floresta”. Poesia é um termo honorífico, usamo-lo para exaltar uma determinada escrita de grande expressividade. Mas também o empregamos para descrever os efeitos dessa expressividade sobre nós próprios, e para identificar as imagens e temas do mundo exterior que parecem estimular esses efeitos e essa escrita profunda. A poesia é a linguagem da imaginação e das paixões. Relaciona-se com tudo o que causa prazer imediato, ou dor, à mente humana. Atinge a intimidade e a atividade dos homens: porque apenas o que os afeta da maneira mais geral e ininteligível pode ser um tema de poesia. A poesia é a linguagem universal que o coração liga à natureza e a si próprio. Aquele que despreza a poesia não pode ter muito respeito por si próprio, nem por nada. Não é uma simples ocupação frívola (como certas pessoas têm pensado), a distração superficial de uns quantos leitores desocupados ou das horas de lazer – tem constituído o estudo e o deleite da humanidade em todas as épocas. A arte da poesia concede ao universo uma essência de vida e movimento. É rigorosamente a linguagem da imaginação; e a imaginação é a faculdade de representar os objetos, não como são propriamente, mas tal como são modelados por outros pensamentos e sentimentos, numa infinita variedade de formas e combinações de energia.
Na sua capacidade de iluminar, o poema talvez seja ao nível do humano a proximidade do absoluto, o vislumbre do impensável na sua sensibilidade infinita.
(*) Autor de “O Aprendiz do Amor” (1993) e “Suave é Coração Enamorado” (2006).
Dançando no Escuro
JANELA POÉTICA (II)
GIL
(Para Gilberto Gil)
Fabrício Brandão
Abrem-se portas da vida para ele,
o cérebro maquinal,
pulsativo,
pensante,
sujeito total:
um plural
somador de tendências.
Comanda a mão do criador
a veia aberta do ser
numa capacidade absurda,
transpondo doses eficazes
de sensibilidade,
dum grande valor d’alma.
Apropriando-se do seu percurso,
consegue atropelar expectativas,
deixando nítidas as marcas do visionário.
Impossível a ele fugir,
escapar do destino musical.
De sentidos abertos
coube e sempre caberá
aos desígnios intuitivos
intelectualizar o cara emoção.
A grande esperança que fica
é aquela que partilha a energia
das canções,
dos sonhos,
de um espelho ideal:
um projeto de mundo.
Porquanto confuso tudo esteja,
evoluir é preciso
e o sentimento torna-se tão mais nobre
quando se percebe a necessidade do existir.
Quem dera, Gil!
Homem e mulher fossem um só,
medidas exatas da compreensão de um porvir,
suprimindo limitações da condição humana.
Quem dera!
RELATOS (II)
SOBRE ARTE E FUGA DA ESPERA
por Fabrício Brandão
Desde que li pela primeira vez a incisiva Arte e fuga da espera, crônica de Affonso Romano de Sant’Anna, fui tomado pelas diversas sensações impressas no texto, no desenrolar de tais palavras densas. Então, por vezes, passo a rememorar todas aquelas argumentações, que tratam em especial do modo como nos portamos face aos instantes de espera, com os reflexos daquilo que realmente acontece conosco. E o esperar, abordado pelo autor com certa precisão, não se resume numa simples enumeração de exemplos, vai além disso, muito além, incide sobre a construção das nossas projeções invisíveis. Há uma sutileza no modo como isso é sugerido, pois, a cada um de nós é dado o seu próprio encaixe. Ou seja, bem sabemos onde habita o lugar no qual a torrente de incertezas fez morada. Qual o significado daquilo que permanentemente esperamos? Melhor ainda, com qual rosto essa espera se nos afigura?
Percebo a cada fim de ano o costumeiro ritual da expectativa para o outro ano que virá. Alguns se cansam de aumentar a corrente dos que automaticamente desejam o bem aos seus. Outros, talvez a maioria, ainda crêem nesse velho hábito e, mesmo que passivamente, depositam o melhor para adiante. Aí poderíamos pensar o porquê de o melhor sempre residir à frente, em algum lugar sem compreensão imediata. Seria, talvez, razoável considerar negligente esta atitude com a qual revestimos a vida? Em resposta a tal pergunta surge a fuga, espécie de sombra das incapacidades, contorno possível do receio de se lidar com os desafios dos instantes de agora. Seja qual for a sua causa, fugir nos há assim de modo tão imperativo quando parecemos não poder suportar aquilo que então somos.
Durante o caminhar de sua crônica, Affonso vem nos conduzindo por entre nossas próprias veredas. Aponta aquele que está aqui, ali, em qualquer lugar físico ou não. São pungentes as palavras que definem aquele que espera. “A verdadeira espera é diferente. A pessoa que espera, mais que as outras, está exposta na vitrina de seus gestos. Está voltada para fora, perdeu seu centro, precisa de uma visão que a complemente, está sofridamente frágil, está sem pele com a carne viva ao vento.” Aqui se chega a um ponto em que conferimos nossas próprias expectativas a outrem, a alguém que, mesmo sendo a projeção de nós mesmos, jamais estará em nós. E esta idéia parece se confundir com o fenômeno da nossa própria negação, de uma espécie de apatia perante o mundo. E assim vamos, sem rumo aparente, negligenciando o hoje em prol de um aguardo que se delineia impreciso. Nossos prazos ocidentais não nos permitem exercitar a respiração como um processo de controle do próprio pensamento. O pouco palatável ainda é empurrado para um fluxo desenfreado de informações aceleradas e bem típicas dessa louca pós-modernidade.
A espera proposta por Affonso acaba sendo a nossa condição de existência como se o mundo coubesse naquela estação de Encontros e despedidas, a belíssima canção composta por Milton Nascimento. Uma via de mão dupla onde quem vai ou vem anseia, de modo não tão desigual, pelo encontro com o outro e pela redescoberta de si mesmo. O mais curioso dos nossos tempos é que, mesmo, com as pressões e o intenso ritmo de nossas atribuições constantes, cultuamos intrinsecamente a esperança por tudo. Enquanto e de modo insistente, nos é dito que “quem espera nunca alcança”, um grande fantasma nos ronda, nos persegue e nos faz acreditar que pouco pode ser feito agora. Ele tem olhos vorazes e se veste como um sentinela desajeitado. Seu rosto, algo não identificável. Seu nome, aquilo que chamamos de amanhã.
(A crônica Arte e fuga da espera pode ser encontrada no livro Fizemos bem em resistir, de Affonso Romano de Sant’Anna, Editora Rocco.)
Abril Despedaçado
UM SOM
O BURACO DO ESPELHO
Arnaldo Antunes
Composição: Edgard Scandurra / Arnaldo Antunes
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
(do álbum O Silêncio, de Arnaldo Antunes)
DROPS DA SÉTIMA ARTE
por Fabrício Brandão
CINEMA PARADISO (Nuovo Cinema Paradiso). Itália/1988.
Neste filme, o diretor Giuseppe Tornatore consegue induzir os cinéfilos a participarem do sonho da sétima arte. Sua narrativa remonta a uma verdadeira explosão de paixão pelo cinema. A história revela uma belíssima feição do amor pelas telas cujos alicerces estão na amizade entre um garoto, Toto(Salvatore Cascio), e o projecionista do único cinema de uma pequena cidade da Sicília, Alfredo, interpretado por Philippe Noiret. O filme ganha pontos altos através da maravilhosa trilha comandada por Enio Morricone. Acredito que fique, para quem o assistiu, a idéia da valorização do ato de se ir a uma sala de exibição. Por maiores que sejam as comodidades trazidas pelos modernos aparatos tecnológicos domésticos, ir a um cinema ainda se configura como sendo um evento à parte.
DANÇANDO NO ESCURO (Dancer In The Dark). França/2000.
O que fazemos quando não sabemos lidar com as pressões impostas por nossos conflitos? Uma das respostas, a meu ver, talvez seja dada pela personagem Selma, muitíssimo bem interpretada pela cantora Björk em seu primeiro e, segundo ela mesma à época, último filme. A história dirigida pelo grande Lars Von Trier, um dos fundadores do movimento Dogma 95, narra as desventuras de uma mãe(vivida por Björk) que, por possuir uma doença hereditária na visão e que pode levar à cegueira, tenta juntar todas as suas economias a fim de que o seu filho possa fazer uma cirurgia e não ser acometido pelo mesmo problema. Um filme sensibilíssimo que se utiliza da feição musical para dar escape à dor da protagonista. A própria Björk assina a música. Antes que eu me esqueça, vale a pena lembrar a presença da veterana Catherine Deneuve.
ABRIL DESPEDAÇADO. Brasil/2001.
Contando com o gabarito de Walter Salles(Terra Estrangeira e Central do Brasil) e do aclamadíssimo diretor de fotografia, Walter Carvalho(Janela da Alma), Abril Despedaçado impressiona pelas leituras que podem ser feitas através de sua belíssima fotografia. O filme transpõe uma obra homônima do escritor Ismail Kadaré para uma realidade diferente do seu original, o conflito de sangue entre famílias rivais do Sertão brasileiro arrastado por gerações. Destaco as presenças dos atores Rodrigo Santoro e do veterano José Dumont. Mais uma vez, o sertão é cenário fértil para a ambientação de uma boa história. Se já não é rigorosamente o mesmo sertão de Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos, muito nos oferece com suas outras tantas veredas.
JANELA POÉTICA (III)
NINGUÉM SE VIU*
Fabrício Brandão
A máscara que reveste o ser de agora,
o sujeito parcial,
apenas consegue ser metade das coisas
porque nem tudo absorve.
E daí as brechas brincam soltas
no universo pintado por cada um.
De quem será a voz que cruza o meu texto?
Insiste em se ocultar como artimanha.
E tudo nela parece o ideal
até mesmo tolas fantasias de agrado imediato.
Mas eis que há revolta
porque não se consegue
levar o equívoco por demais adiante.
É quando se cansa
da invenção míope de si próprio.
Pior mesmo é não sair pra ver cores.
*Sobre “Casulo”, vídeo de Jefinho Pinheiro, e outras possibilidades de enclausuramento virtual pela via da impessoalidade pós-moderna.