POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS
Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam mais bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que já eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.
Clarice Lispector
(Texto escrito em 12 de dezembro de 1970 e parte integrante do livro de crônicas A Descoberta do Mundo, Ed. Rocco)
CICERONEANDO
Trinta anos nos separam do “desaparecimento” de Clarice Lispector. No entanto, as marcas que transbordam de seu universo intimista mostram uma constante ressurreição da escritora, algo que insiste em ficar, revelando-se em textos e sentidos, leituras possíveis de outros tantos olhos. Lispectorar o ser é quebrar amarras, romper prisões, redescobrir o mundo aborrecido de visões banalizadas. É descongestionar o peito que necessita purificar seus impulsos vitais com o mais renovado ar da leitura de nós mesmos. Todos ocupados na sala de jantar, digerimos a sopa de letras da dona-de-casa Clarice. Recebeu-nos assim, preferindo não ser nada, apenas mulher a escrever quando surge a companheira vontade. Então, fez-se a Sétima Leva, com desejos de uma singela homenagem à mulher-escritora. Ao longo dela, estão links para uma entrevista de Clarice, datada de 1977. Alguns de nossos colaboradores soltaram seus verbos em torno de signos Clariceanos. Novos nomes como os de Cristiano Contreiras, Anne Ventura, Oswaldo Antônio, entram para a família Diversos Afins. Destaque para a aparição da menina-poeta, de apenas 16 anos, Fernanda Cota, uma mineira que diz ser escrita pelas palavras. Por entre textos, a exposição das cores vivas e brasileiras de Chico Liberato, artista plástico de Salvador. Revivemos Castro Alves através da lembrança de um 14 de março, dia da poesia. Mesa posta com poesias, contos, crônicas, música, cinema e outros pratos: hora de se alimentar. Sejam bem-vindos!
*Comentários podem ser feitos no link EXPRESSARAM AFINIDADES, que se encontra no fim da Leva.
Pintura de Chico Liberato
NADA DO QUE EU DISSE ANTES
Por Fabrício Brandão
Disse-me assim: eis a brancura que te tornará habitante sem igual desse mundo hermético. Logo eu que, crendo tecer horizontes de cores diversas, avantajei-me junto à claridade intensa daqueles dias tão exageradamente tórridos. Pois então, nada de perder o tino sobre as coisas que vão e vêm. Agarrei as luzes dentro do calor do dia, escorregando incansavelmente por sobre a confusão de tráfegos dos outros. Irritei-me com as faces que ali estavam. Gente imóvel, forçada a repetir automaticamente a rotina que faz todos se esquecerem de todos. Eles nem sempre fazem isso porque querem. Estão perdoados, portanto. Estão anistiados pelas tréguas necessárias da minha miopia. Único desejo depois, o de voltar pro abrigo e encontrar tudo no lugar, estéril, organizado, isento de desordens aparentes. Sim, pois o que não consigo ver está anotado na pauta perdida do coração alheio. Faça-me o favor! Não quero os relatos daquilo que nem consigo lembrar que fui. Tampouco desejo a obsessão em resolver essa equação existencial imposta pelo olhar que não me pertence. O impulso didático nada pode fazer, pois a luz entra, corta por dentro a matéria de que sou feito, e não encontra o valor de x.
JANELA POÉTICA (I)
COISAS DA SOLIDÃO
Neuzamaria Kerner
I
As crias
passarinharam:
eu ninho
nada-e-fico.
II
Nasci
cresci
casei
cumpri sina
pari
criei
solidei
não me vi
eu menina.
III
A solidão derramou
seu copo de água ardente
na alma inquieta
que vive em mim...
quebrou-se o copo
quedou-se o corpo
ardeu-me o fim!...
IV
Pássaro-flecha
me voou:
para trás
penas soltas
que aparo
escorregam entrededos
amarelos.
V
Desgarrado do rebanho
Um pensamento
Teimoso
Foi te ver.
Bateu com a cara na porta
Voltou rabo entrepernas
Dormiu no meu regaço
Sonhou vida boêmia
E embriagado de dor
O rebelde virou
Poema.
Pintura de Chico Liberato
CONTORNOS
Anne Ventura
Eu sou só e leio Clarice. Além disso, organizo os temperos na bancada da cozinha utilizando como regra a temperatura que imagino transmitirem. Menta em um extremo, pimenta noutro. No domingo nunca há muito do quê se ocupar, nada além de observar os resultados luminosos dos afazeres de sábado. Olho para móvel, imóvel e impecável, as plantas estão podadas e verdes... Não me lembro, exatamente, do momento em que deixei de gostar dos fins de semana, nem dos motivos que antes os tornavam tão agradáveis. Picolé, sairei para comprar picolés! Satisfeita por encontrar uma diversão, visto meu melhor vestido casual, pinto das unhas aos olhos e subo no alto da mais elegante sandália que esconde meu guarda-roupa. Olho-me no espelho – estou linda – ponho meus óculos gigantes, à Marisa Monte. Apanho a bolsa, despeço-me de minha cachorra contando com a falta que farei e desço, deslumbrante, as escadas de meu edifício. Nenhum vizinho está por perto. Saio pelo portão, observo a rua semideserta e sigo à esquerda. Dali a duas quadras está a sorveteria, quase lotada. Entro com discretos movimentos, simulando descaso, apanho uma sacola e inicio a escolha dos sabores. Manga, tangerina, chocolate e café. Sinto-me especial por chupar picolé de café, sou uma moça exótica. Ao todo, o rapaz do caixa conta 16 unidades e me incomoda um pouco o fato de não tirar em nenhum momento os olhos dos produtos e do dinheiro. Saio com minha sacola cheia, vistosa, e atravesso a primeira quadra com um leve biquinho de soberba. Imagino-me uma glamorosa atriz de Hollywood, fazendo triviais compras de fim de semana, enquanto um paparazzo me fotografa escondido atrás do fusca bege. Há uma trilha sonora para a minha caminhada: You know I’m no good, Amy Winehouse. Estou distraída nesses pensamentos e não noto, enquanto atravesso a rua, o bueiro que afunda o asfalto. Piso em falso. Meu pé direito lentamente se torce em movimento contrário à sandália, rompendo-lhe a tira que imita couro. Meu corpo se ergue para frente e percebo minhas pernas se dobrarem rendidas ao desequilíbrio. Como quem tenha que solucionar a queda inevitável, estico os braços na esperança de que as mãos irão me amparar. Os joelhos são os primeiros a encontrar o solo. Depois vislumbro as unhas bem feitas, que escorregam no escuro áspero. E já estou, toda, no chão. Ofego. O sangue parece correr mais rápido dentro de mim, como se antes não estive aqui. Ainda não pude perceber o que me aconteceu. Arranco as mãos cravadas no asfalto e ergo um pouco o tronco, permanecendo de joelhos. Olho as minhas palmas, que ligeiramente sangram. Estou suja do urbano. Lembro-me da sacola e a procuro. Em algum momento de que não me dei conta, ela fora arremessada como eu. Estou incontrolavelmente trêmula. Percebo que tenho os olhos arregalados como se tentasse ver o que ainda parece difuso. Da calçada, pessoas me observam e cochicham qualquer coisa que me parece terrível. Preciso me recompor. Um carro se aproxima e pára ao meu lado, está repleto de gente. A motorista pergunta se estou bem. Ergo a cabeça e digo que sim, quero que vá embora. Sinto-me uma completa idiota. A mulher insiste, quer me levar em casa. Sorrio e repito, irritada, que não é necessário. Estou ótima. Ela percebe meu incômodo e parte com ar de despeito. Ainda estou ajoelhada no meio da rua e não me sobrou nada de minha dignidade. Se ao menos eu tivesse sido atropelada, seria uma vítima. Mas, não, milênios de evolução humana e mal sou capaz de me manter erguida sobre as duas patas traseiras. No entanto é urgente prosseguir. Então me levanto lentamente. Preciso recuperar a locomoção vertical que cabe. Afinal, sou bípede. Caminho em direção à calçada e arranco do pé a sandália esquerda que me torna ainda mais patética. Tento, em vão, limpar os joelhos que carregam, sob a pele, partes do concreto. Tudo parece mesclado, asfalto e corpo. O flanelinha sai detrás do fusca e se aproxima do lugar de minha decadência. Apanha um picolé de café que ainda permanece intacto, olha para mim. Você não vai querer? Viro as costas e recomeço minha volta para casa. Meus pés estão nus e pisam com pudor aquela textura nova. É domingo. Não há mais música. Há, apenas, o silêncio escandaloso de uma existência solitária que me faz sorrir.
(Anne Ventura é escritora e professora)
OUVIDOS ABERTOS (I) Por Fabrício Brandão
BEBEL GILBERTO – MOMENTO
No momento em que escrevo sobre esse disco, ouço a confirmação do talento de Bebel Gilberto. Momento é o mais novo álbum da cantora e ela o faz com beleza, suavidade e graça. Falando em tons suaves, começo citando a bela faixa Azul, adornada com uma base de violão e um desejo terno de cultivar a leveza do lugar ocupado pela sonoridade. Outra interpretação excelente é de Caçada, canção do mestre Chico Buarque, e que aqui aparece sem perder a cadência sugerida pela gravação original. A música ganha corpo pelos arranjos muito bem regados à flauta e a uma zabumba que marca os ritmos velozes propostos pela letra. Em Um segundo, Bebel privilegia a nudez de seu canto juntamente com efeitos de seus vocalizes. Parafraseando Tranqüilo, outra faixa que integra esse grande trabalho, melhor seria ouvir o disco sem nada temer, sem medo do mundo, sem medo da morte, sem se preocupar.
ATO I: "Não sou uma profissional. Só escrevo quando eu quero."
(1ª parte da entrevista com Clarice Lispector)
Pintura de Chico Liberato
JANELA POÉTICA (II)
FOLHAS DE AGULHA Fernanda Cota
Movimentação incrédula e forte de expansão
Dessas que quem olhou não viu somente
A intenção cravada no íntimo de tais revelações
Mas a sensação de que um ponto de partida
Iniciava-se para deixar o começo para trás
E o sol veio encostar-se à janela
Depois de uma tarde inteira de chuvas e sonos
De coisas que não se faziam e tão pouco entendiam
Revivendo o prazer quase dolorido
Das vagas e herméticas virtudes desesperadas
Mas sabem que mesmo assim sorria
A densidade das complexidades que carregava
Cheias de cadernos, livros, e folhas;
Resumia-se em chamamentos de desespero para realizar
Sabe Deus o que se precisasse para viver o mundo
E ia assim até que alguma folha de árvore
Caísse-lhe sobre a cabeça e como agulha
Perfurasse todo seus pensamentos desejosos
De organização e monotonia
Fazendo aparecer naquela face oculta vontades mais vivas
Assombrava-lhe.
E assim como que em corda bamba não se mexia
Como se todo o conhecimento que absorvia
Fosse cair pelo chão virando mil pedaços de vidro
E descobria.
Silenciosa e calma procurava.
(São as palavras que me escrevem. Vêm e fazem de mim um pedaço íntimo do mundo, um acontecimento lento e calmo, que se transforma em poesia. Fernanda Cota Martins Bastos, estudante, alguém que percorre todos os dias em busca de conhecimento, em busca de novas fontes para embeber. Alguém que descobriu através das palavras uma maneira leve e densa, clara e vaga, gritante e silenciosa de entender a razão dos acontecimentos.)
Mais sobre a autora em: Lady Sophia
A RENOVAÇÃO TEATRAL ATRAVÉS DOS TEMPOS Por João Pedro Roriz
Aristóteles foi o primeiro teatrólogo da história do teatro ocidental. O filósofo, não satisfeito em proferir teses sobre a existência da alma e da moral humana, também se inclinou sobre a tragédia grega para discorrer sobre o assunto. No auge das apresentações teatrais, Aristóteles rascunhou um roteiro para uma futura exposição oral de suas teorias sobre o drama grego. Esse documento é hoje o melhor tratado sobre artes cênicas que já existiu e não há ser humano ousado o bastante para questioná-lo. Trata-se da Poética Aristotélica, um apanhado de idéias sobre tragédia, comédia e epopéia (gêneros literários da época) que se tornou um referencial para qualquer estudioso do teatro.
Um homem chamou a atenção, no começo do século XX, ao questionar o teatro naturalista de Stanislavski que era baseado na retórica aristotélica. Bertolt Brecht, autor de “Ópera dos Três Vinténs” e “Galileu Galilei”, pensou e experimentou uma alternativa para o teatro tradicionalista. O teatro ocidental se baseia na máxima aristotélica que afirma “a imitação é a prerrogativa do próprio homem”. Porém, Aristóteles não pensou em uma técnica para uma boa performance do ator – disse apenas que o teatro deveria levar o público à catarse (purgação das emoções). Os realistas russos André Antoine e Konstantin Stanislawski ocuparam esse espaço deixado por Aristóteles e proferiram teses sobre a interpretação do ator, baseado no conceito de que o público deve ser iludido pela realidade cênica e acreditar na veracidade de seus personagens – o que no Brasil é muito comum, inclusive nos folhetins eletrônicos.
Brecht, no auge do modernismo, entre outras teorias, propôs a chamada “Técnica de Distanciamento”, que pretendia acabar com a ilusão teatral. Dessa forma, os atores deveriam quebrar a “quarta parede” e manter contato visual com o público e interpretar seus personagens de modo mimético sem tentar convencer o público de suas subjetividades. Assim, o espectador poderia tirar as suas próprias conclusões a cerca do enredo teatral e dos personagens apresentados. Brecht ainda espetou os realistas ao afirmar de modo pejorativo, que todo o teatro que não se baseia na técnica do distanciamento psicológico e racional entre espectador e espetáculo, trata-se de um “Teatro Aristotélico”, o que é, até hoje, muito rechaçado pelos intelectuais do teatro.
(Leia mais sobre as técnicas de distanciamento de Brecht em seu livro “Estudos sobre Teatro”. Se quiser conhecer um pouco de Stanislawski, leia “A Preparação do ator”. Algumas teorias de Brecht: Técnica do Distanciamento, Teatro Épico, Teatro Aristotélico e Teoria do Não Antes Pelo Contrário. Algumas teorias de Stanislawski: Ação Posterior, Anterior, Contínua, Interna e Externa e Memória Emotiva.)
E-mail para perguntas: jproriz@hotmail.com
Pintura de Chico Liberato
ATO II: "Quando não escrevo, estou morta."
(2ª parte da entrevista com Clarice Lispector)
ELA DISSE-ME ASSIM Fabrício Brandão
Sentado no pequeno sofá daquele velho apartamento, pude vê-la confidenciar os sentidos do momento. Mais do que traços instantâneos e que talvez imprimissem uma agonia presente, as coisas todas me foram ditas numa torrente ininterrupta de lembranças meteóricas. Primeiro andou pra lá e pra cá a passos curtos e com um silêncio estampado na cara. Tive receio daquilo não mudar e eu ficar ali, parado, olhando os quadros, a pilha de vinis raros insistentemente superiores às de cd’s, fotografias de registros intimistas, pôsteres de cinema em várias partes e outros tantos objetos empoeirados de arte. Naquele instante até pensei em como a poeira sobre os objetos parece dar novo tom, confundindo-se a uma espécie de respeito ao modo como tudo deve ficar no seu devido lugar. Tive medo do silêncio absoluto que, em alguns momentos, pode ferir duas vidas, dilacerá-las sem sinais aparentes. Depois quebrou o som do nada, oferecendo-me uma xícara de café. Aceitei, mesmo que pra mim não fosse uma bebida habitual. Trouxe-me o líquido preto, bebi. Pois é, bebi, sim, mas sozinho, olhando ela continuar seu ritmo de andanças perdidas por entre os vãos de seu lar.
Eu podia vê-la se deslocando para a outra saleta, bem ao lado da que eu estava. De viés, ela passava as mãos delicadas por sobre a velha máquina de escrever. Mesmo em tempos de surpreendente informática, ela insistia em construir suas linhas na velha remington. Levantei-me de minha prostração receosa, pois já não agüentava mais estar preso a medos de iniciar conversa, e fui até a saleta dela presenciar seus outros gestos. Eu, na verdade, queria mesmo era uma desculpa das boas para ter o que falar, mas ela não dava trégua, continuava seu passeio misterioso por sobre um tudo. O próximo ato foi partir para a estante repleta de livros. Meu Deus, imaginei, quanta vida ali estava, quantas construções de tempos diversos. A cada nova investida daquela mulher por sobre o seu universo particular, eu seguia tudo atentamente, pois já imaginava estarem ali palavras necessárias. Instantes intermináveis foram me alimentando das cores que talvez estivesse precisando. Eu tinha uma missão, estava certo disso, mas complexo mesmo foi relatar o que se seguiu depois.
Veio até mim, que estava parado, em pé e sem vontade alguma de me mexer para não estragar o ritual que se instalara ali diante dos meus olhos. Em seguida, fez um sinal com as mãos, apontou-me os livros, rascunhos, papéis dispersos e até rabiscos na parede, depois girou nos calcanhares e se dirigiu até a janela que dava para a rua tranqüila, cuja claridade era atenuada pela frondosa mangueira da calçada em frente. Eu podia sentir seu olhar compenetrado, como quem estivesse se preparando para tomar uma derradeira decisão. Ainda permaneceu ali por algum tempo. Respirou fundo, olhou nos meus olhos e finalmente saltou algo de sua boca. Avisou-me que a minha missão ali não fazia sentido algum, pois eu nada poderia utilizar para proveito próprio. Eram palavras breves, frases curtas e que escondiam certa dose de resignação. Converti toda a minha inquietação e ansiedade numa escuta obediente e atenta, justamente o hábito que talvez estivesse me faltando em muito. Depois me entregou um livro, um caderno para ser mais exato, espécie de registro de anotações. Pediu que só o abrisse quando estivesse longe dali. Disse-me que não existiam palavras a serem ditas sobre quem era ela e o que teria sido numa só existência. E olhando-me com um semblante terno, porém lúcido, sustentou que mais do que a leitura de todas as suas obras e o conhecimento didático de seus traços, o significado de toda sua essência criadora acabara de me ser revelado. Fiquei surpreso com aquela afirmação, mas logo percebi que minha tarefa chegara ao fim.
Levou-me até a porta sem que o caminho me fosse apontado imediatamente. Despediu-se com um olhar sereno, prestes a retornar ao silêncio rompido por minha chegada de intruso. Agradeci o fato de ela ter me recebido e pus-me a descer as longas escadas do velho edifício. Uma escuridão diurna me acompanhou até que eu pudesse desmenti-la com as luzes naturais do térreo. Ali, logo adiante, revirei minha bolsa à procura de minha pauta de obrigações. Como poderia pensar em redigir aquela que seria uma entrevista com uma das escritoras mais famosas do país? O gravador estava intacto, meu bloco de anotações completamente vazio de rascunhos necessários. Foi, então, que abri apressadamente o livro que ela havia me entregue. Caíram-me as faces. Não havia absolutamente nada escrito ali, nem uma mísera linha ou sinal de idéias soltas. Ainda vasculhei tudo, mas nada de nada. Antes que eu pudesse demonstrar qualquer sinal de desânimo, mirei à minha frente a imensa mangueira do outro lado da rua. Imóvel, ali fiquei até que o mais profundo silêncio calasse todas as minhas perguntas.
JANELA POÉTICA (III)
Foto: Leila Lopes
SOLIDÃO
Leila Lopes
Ainda que tua solidão
plena em controvérsias
chore alto
cinza, amarelo
infinita peculiaridade
experimenta
da última gota:
pedaço do espaço
entre dor e liberdade.
Ainda que tua solidão
lúcida em barco
sussurre mansa
mar de razão
morte da imobilidade
experimenta
da última hora:
pedaço do céu
entre mãos, olhos, abraços
das costas da tarde:
presença de algum paraíso.
(Leila Lopes é colaboradora ativa do Diversos Afins)
DROPS DA SÉTIMA ARTE
Por Fabrício Brandão
Transamérica. EUA. 2005
Volta e meia, a temática homossexual serve de base para algum argumento cinematográfico. Entretanto, há de se confessar que são poucos os filmes que conseguem tratar do assunto sem cair no lugar comum onde habitam a pieguice e o mau gosto. Transamérica está longe de tudo isso, longe de qualquer estereótipo já conhecido. O filme aborda de forma bem leve e contundente a história de Bree Ousborne (muito bem interpretada pela atriz Felicity Huffman) um transexual que, bem prestes a realizar sua cirurgia de mudança de sexo, descobre que tem um filho já adolescente. A partir daí, abre-se um novo ambiente para a protagonista, pois, além do seu recém-descoberto filho ser órfão de mãe, ela percebe que inevitavelmente terá que se aproximar dele. Bree vai ao encontro do seu filho e os dois entram numa verdadeira viagem de autoconhecimento. Cada um com o seu curso de vida, com suas emoções e misérias. Diria que Transamérica é um filme que está muito além de ser um daqueles tratados que expõem um mero drama de consciência humana. Os personagens têm uma força e resistem às intempéries sabendo que no fundo desejam chegar nalgum lugar. Não há espaço para lamentações por tempos de vida perdidos, mas sim reconstruções dos eus.
A atriz Felicity Huffman em Transamérica
ATO III:
Maria Bethânia recita Clarice(3ª parte da entrevista com Clarice Lispector)
14 DE MARÇO: DIA DA POESIA!
Por Neuzamaria Kerner
Só um lembrete, só um carinho para aquele que deixou retumbando em nossas almas suas falas de amor e de sofrência pela situação dos injustiçados e dos amantes (ou amorosos?) inveterados.
Antonio de Castro Alves representante dos poetas brasileiros publicou um único livro em vida: Espumas Flutuantes. Seus poemas mostram a diversidade de sua inspiração e, pela primeira vez no Romantismo brasileiro, um autor mistura em sua obra experiência e inspiração, tanto no lirismo individual quanto no lirismo social. Vivia no “exagero amoroso”. Gritava e sofria tanto pelo amor quanto pelas injustiças sociais do seu tempo, arrebatando as pessoas com seus discursos persuasivos.
Qual a mulher que não gostaria de ouvir isso: “Amar-te ainda é melhor do que ser Deus!” Mas esse tipo de declaração de amor acabou (?) e só reinventando o Cecéu, como era chamado pela sua família.
Castro Alves também não emudeceu diante da violência que grassava no seu tempo, principalmente pelas injustiças sofridas pelos negros escravos. Hoje poderíamos resumir seu grito contra a política que exclui os despossuídos de defesa e justiça. Apela para a nossa emoção, incita-nos a testemunhar a injustiça, conclama pessoas como nós, para que não fechemos os olhos a tanta miséria, a tanta violência nos tempos atuais. Os trechos a seguir, em O navio negreiro, são totalmente imortais visto que merecemos justiça, honra e tranquilidade:
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! Por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?...
Astros! Noite! Tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
....................................
(S. Paulo, 18 de abril de 1868)
Todos os dias, portanto, é dia de poesia, é dia de renovar as idéias de liberdade, dia de romper correntes e escapar da opressão e da dor. Dia da poesia é o dia que liberta, dia que nos ensina a ver com o coração.
Pintura de Chico Liberato
JANELA POÉTICA (IV)
"a paixão segundo contreiras"
Cristiano Contreiras
diante da intimidade cotidiana,
foi onde cresci respirando clarice:
o coração selvagem em maturidade,
mero acaso de uma aprendizagem.
olhei a vida íntima,
li cada verso dela em procura do meu reflexo,
senti que compreendia a mim mesmo:
um homem água-viva.
ler clarice:
saber que minha alma não calava sofreguidão,
não estava sozinho.
a hora da estrela foi o exato momento,
encontro com a consciência.
sou um homem em busca do indizível,
um mortal a buscar o santificado,
a intimidade satisfatória.
e clarice contribui com tudo isso.
(Cristiano Contreiras cresceu lendo Clarice Lispector, assistindo filmes clássicos de James Dean e ouvindo Rita Lee. Gosta de poesia erótica e fotografia em preto & branco. É soteropolitano e escreve no Bonequinho de Luxo)
OUVIDOS ABERTOS (II)
Por Fabrício Brandão
MOMBOJÓ – HOMEM-ESPUMA
Segundo disco na bagagem e os pernambucanos do Mombojó provam que Recife continua uma formadora de grandes talentos musicais. Longe de comparações, diria que eles estão numa escala que começa a partir de Chico Science e passa pelo incisivo Mundo Livre S/A, de Fred 04. Homem que se traduz na espuma do mar que navega pela superfície das águas, eis a base da canção que leva o nome do disco. Misturando sampler, teclado, violão, flauta, guitarra, escaleta e sopro, a banda se apropria muito bem dos efeitos sonoros que contornam sua música. Além disso, demarcam seu próprio espaço com letras que falam da condição existencial humana. Destaco a bela Tempo de Carne e Osso (faixa que tem a participação especial de Céu), Vídeo-game, Pára-quedas e a bucólico-urbana O Mais Vendido. Homem-espuma apresenta um trabalho bem elaborado, algo que parece estar fazendo falta em tempos tão vazios de qualidade musical. Há muita coisa por aí, difícil mesmo é achar gente disposta a ir além do óbvio. Vivas ao Recife!
Pintura de Chico Liberato
NOSSA MENTE MISTERIOSA
Por Affonso Romano de Sant’Anna
Continuamos sem saber que mecanismos temos dentro de nossa mente. Quer dizer, sabemos pouco, quase nada, uma ninharia, um nonada.
Outro dia mesmo tive uma experiência a respeito. Experiência boba, que todo mundo tem e não valoriza. Havia perdido um artigo no computador. Passei o dia inteiro revirando tudo quanto é arquivo, olhando desesperadamente a tela, e nada. Cheguei até a me comunicar com o meu técnico que está em Angola, imaginem! e ele não conseguiu me orientar. Desanimado, como todo autor que se preze, fiquei chateadíssimo de ter perdido um texto que mudaria a história da cultura e da humanidade. Exausto e apocalíptico, fui dormir.
Altas horas da noite, insônia. Insônia, braba. De repente, pensei, vou cortar a insônia, vou escrever algo, vou ao computador. Três e meia da manhã, silêncio escuro e total não fosse um galo cantando na favela ao lado. Ligo a máquina e resolvo clicar num certo arquivo para ver o que ia acontecer. Aconteceu. Pronto, reapareceu-me espantosamente o texto que de mim se ocultara. Na entreluz da madrugada, no claro-escuro da inteligência, reapareceu a chave. A humanidade estava salva. Ou, pelo menos, eu.
O que é que meu inconsciente andou elaborando e comandando, que me fez levantar de madrugada, me assentar e efetivar essa descoberta?
Há poucos dias comecei a procurar um livro que sabia estar na estante. Era fundamental. Uma vez mais a cultura minha e do Ocidente dependia de que eu o localizasse para verificar algumas coisas, fazer umas citações. Procurei, e nada, nadinha, nonada. Percorri toda a estante do salão. Vim para o escritório e com os olhos e dedos corri, lombada por lombada, todos os títulos. Da esquerda para a direita, da direita para esquerda. O bendito e/ou maldito livro tinha que estar em algum lugar. Porém, nada. Nadinha. Nonada.
De tarde tornei a repetir a varredura visual e gestual. No dia seguinte, a mesma coisa. Não adiantava nem fazer como qualquer pessoa que tem um número razoável de livros, ir à livraria e comprar outro exemplar, mesmo sabendo que tem um igual em algum ponto da casa. O livro era estrangeiro. E minha urgência agônica não me propiciava o luxo de comprar outro exemplar pela internet, e esperar 10 dias.
Frustrado, já cantando aquela antiga canção que guardamos na voz de Nora Nei (ou Maysa Matarazzo?)- “o meu mundo caiu, e me fez ficar assim...”, fui dormir.
Não tive insônia desta vez. Mas acordei pensando que talvez o livro, por ser pequeno, caiu atrás dos demais na prateleira. O lógico seria começar a percorrer todas as estantes, todas as prateleiras, ordenadamente, tirando os livros do lugar, para ver o que havia por detrás deles.
Amanhecia e fui para o escritório. Sentei-me ao computador, e como o general olha a tropa perfilada à sua frente, olhei as estantes. Mas olhei-as sem arrogância, de maneira segura e espontânea. De repente, como que imantado, como que hipnotizado, como que obedecendo ordens que nem ouvia, mas eram claras, alcei-me da cadeira, subi numa escada, ergui o braço para a última prateleira e meti a mão atrás de determinados livros num canto. E aí aconteceu o milagre. Pronto, peguei o pequeno volume, aliás, o livro pulou nas minhas mãos como um inacreditável troféu.
Mais inacreditável foi uma amiga que morando no Jardim Botânico, foi ao Arpoador e perdeu um anel de estimação na areia. Deu-se conta quando chegou em casa. Pegou o ônibus, voltou à praia horas depois, quando a multidão já havia amassado bem a areia, parou na calçada, concentrou-se, saiu em linha reta, parou no lugar onde achava que tinha estado, afundou a mão na areia e de um golpe, créu! recolheu o anel, voltando lépida e fagueira para casa.
Bom, isto não é nada perto de São Tomas de Aquino que era capaz de ditar quatro textos a quatro escribas ao mesmo tempo, sendo que o quarto ele o ditava enquanto dormia, descansando dos demais.
(Affonso Romano de Sant’Anna é colaborador ativo do Diversos Afins)
Pintura de Chico Liberato
JANELA POÉTICA (V)
ABANDONADO NA ESTRADA QUE LEVA À TERRA NOVA
Oswaldo Antônio
Fosse uma rosa menina,
Dessas que caem das estrelas
Se colorem de arco-íris
E se enfeitam de diamantes.
Fosse uma rosa de pérolas,
Dessas que se geram no seio do tempo
Embranquecem-se de infinito
E se transparecem de raios loucos.
Fosse uma rosa vermelha,
Dessas cultivadas pelos anjos
Com a maciez de todas as graças
E a beleza de todas as preces.
Fosse uma rosa de lua,
Dessas que clareiam o universo,
Que mostram o corpo sem pecado
E escondem a tristeza sob a sua leveza.
Fosse uma rosa de ouro,
Dessas lapidadas por mãos de fadas
Pra comemorar o jubileu de santas
Na catedral de algum país de promessas.
Fosse uma rosa efêmera,
Dessas que se exalam do corpo perfumado
E se espalham pela alma como doença
E se exaurem nas armadilhas do amor.
Fosse uma rosa
Rosa,
De olhos alumiados,
De pele petalina,
De sorriso difuso,
De gestos vastos,
De alma profícua.
Mas é apenas
Uma maria macilenta,
Uma maria-sem-vergonha,
Dessas que se entregam ao abandono
De uma beira de estrada
Que não leva a lugar algum.
(Minha terra viu o passar, os pincéis e as cores de Tarsila do Amaral, que um dia encontrou em seu caminho um Oswald. A mim acresceram um artigo masculino no final, e um outro, acentuaram com circunflexo pra determinar meu centro: Oswaldo Antônio Begiato. Quando descobri isso, fiz das palavras minha terra natal.)
OUVIDOS ABERTOS (III)
Por Fabrício Brandão
CIBELLE – THE SHINE OF DRIED ELETRIC LEAVES
Integrante do já aqui comentado álbum Res Inexplicata Volans, projeto do produtor Apollo 9, a cantora Cibelle desfila sua majestosa suavidade nesse intenso trabalho. The Shine of Dried Eletric Leaves é um verdadeiro passeio sensorial, com arranjos leves e sonoridades muito bem dosadas. Com um mix de canções bem selecionadas, o disco serve como uma verdadeira demonstração da vontade pelo belo. Prova disso está em faixas como Esplendor, onde a cantora empresta força doce à bela letra, afirmando personalidade a sua interpretação. O mesmo pode se dizer de Cajuína, de Caetano Veloso, e que aqui ganha uma plástica que nos parece remeter aos mais vastos horizontes da percepção. Músicas como Lembra, Train Station, Phoenix e Instante de Dois são capazes de conduzir a um universo poético-eletrônico, habitado por sentimentos sublimes, mágicos, bem dignos de contemplação. O álbum é uma viagem transformadora, tocante, prova viva da redenção pela arte.
Pintura de Chico Liberato
UMA CANÇÃO
TEMPO DE CARNE E OSSO
Composição: Felipe S.
Eu sei aonde estarei
Nadar no mar de mágoas
E a fé que depositei
Tu vai guardar na caixa mágica
Sua tristeza vai esborrar
E a areia não consigo mais sentir
Enquanto eu andar
E depositar no que sinto
Eu vou estar contigo
Eu vou estar
Eu sei
Eu sei
Eu sei
Eu sei
Mas vou fazer você chorar
Os seus sentidos a funcionar
O organismo quer respirar
E irei de repente te deixar
Eu sei
Mas vou fazer você chorar
Não vai mais ter que me perguntar
Se a vida é para dar prazer
E o bem existe para te ajudar
(Canção interpretada por Céu e Mombojó, no disco Homem-espuma)
LISPECTANDO
Por Neuzamaria Kerner
Clarice dê-me licença para falar de você, mostrando o meu espanto diante da novidade do seu estilo, da deliciosa estranheza que seu texto provoca em mim, na imprevisibilidade de suas construções.
Para compreender a minha não inteligência, fui obrigada a me tornar inteligente.
Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só: meu enredamento vem de que a história é feita de muitas histórias.
Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu.
A tentativa de explicar os textos de Clarice é uma tarefa tão árdua quanto tentar escrever como ela o fez. A simplicidade de sua escritura me deixa atordoada buscando significados onde ela não quis dar. Ou quis e eu não entendi? Suas palavras nascem da profundeza de sua alma e jorram sobre nós sem intenção de impactar. Apenas jorram e nos envolvem como a luz solar!
Então escrever é um modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou com a entrelinha, podia-se com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: A não palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é ler distraidamente.
Misturo a primeira pessoa do singular com a primeira do plural e já nem sei mais se isso é certo ou errado. Só sei que ao lispectorar somos tomados por um estado hipnótico provocado por sua naturalidade e ficamos em suspensão no ar como se fôssemos partículas insignificantes diante da pena que nos leva a uma espécie de transe literário. Oh, Clarice, como pôde ser tão facilmente difícil?
Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...
Escrevo para me manter viva.
Embora em seus romances ela não nos dê uma bússola que nos oriente na sua geografia desinteressada, mas interessante, entramos num espaço literário do não-lugar e do atemporal e nos vemos dentro de seu universo simbólico e, como por osmose, somos ela e sua realidade.
Nos seus escritos, suas “tiradas” são como mantras que vamos repetindo para que criem corpo em nós. Eu procuro entender e reproduzir o que não pode ser reproduzido a não ser com minhas palavras de um sentimento para quem consegue capturar esse sentir que me sufoca.
Perdoem-me, amigos leitores, se divaguei nos meus sentires usando pedaços de falas clariceanas. Foi somente isso – ou tudo? – que pude dizer.
Perdoe-me, Lis do Peito, Flor-de-Lis amiga, se eu não soube escrever como seria necessário porque me sinto estranha diante de sua lucidez despretensiosa, diante de sua palavra epifânica. Logo você que já me era antes mesmo de eu me ser!
No entanto eu brindo com minha taça plena de ÁGUA VIVA. Parabéns! Você sempre será a minha estrela da hora, a estrela de todos nós, seus amorosos súditos.
Eu também não sou profissional como disse sobre si. Apenas lispecto e me deixo presentificar por você.
Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade.
TIM-TIM!
Clarice Lispector