CICERONEANDO
Vinte e duas trilhas percorridas e a estrada que nos conduz à descoberta de novos e outros mundos permanece imprecisa aos olhos. O complexo universo desvendado em cada uma de nossas edições não intimida as vontades de se projetar cada vez mais além do que se é agora. É saboroso e ao mesmo tempo estimulante conviver com os desafios misteriosos do caminho. Parafraseando o imortal Vinícius de Moraes, nosso poetinha das canções de amor e de mar, viver é atirar-se à arte do encontro. Eis então a grande tônica que move todas as intenções almejadas pelo movimento das letras e expressões de cujo ambiente a Diversos Afins tem sido fiel testemunha. Em seus dois anos de existência, mais do que propagar idéias e epifanias variadas, a revista atestou de perto a vivacidade das trocas de energias advindas do espírito humano. De fato, foram inúmeros os encontros que presenciamos, fundindo a um só tempo manifestações importantes em torno da literatura e da arte. Todos os nomes que por aqui passaram ajudaram a consolidar o motor principal de nosso projeto: a crença inconteste na importância dos feitos culturais. E para celebrar conosco nossa caminhada, nada melhor do que dividirmos os espaços com alguns daqueles que representam a valiosa adesão ao nosso sonho. Pelas linhas poéticas brindamos à sensibilidade de Lita Passos, Sérgio Luyz Rocha, Romério Rômulo, Jorge Elias Neto, Alba Liberato, Cássio Amaral, Carlos Henrique Leiros e Ana Peluso. Compartilhamos dos signos embalados nas letras de L. Rafael Nolli, Mariza Lourenço, Heitor Brasileiro Filho e Rodrigo Melo. Algumas das opiniões e idéias do escritor e, acima de tudo, articulador cultural Floriano Martins, fazem parte de uma entrevista afinada em torno da arte. Percorremos também com aguçadas escutas as crônicas de João Pedro Roriz, André de Leones, Bolívar Landi e Affonso Romano de Sant’Anna. Fotografia e artes plásticas compõem um amplo painel de exposições com os artistas que noutras ocasiões desfilaram seus olhares por aqui. O instante atual é o momento de gratidão para com todos aqueles que colaboraram conosco desde a nossa tenra idade. A leva que agora se apresenta agradece imensamente a todos os nossos leitores, personagens principais da nossa trama. Sejam todos sempre muito bem-vindos!
* Para comentar, clique no link EXPRESSARAM AFINIDADES no final da Leva.
XXV
L. Rafael Nolli
–
(L. Rafael Nolli, nascido
JANELA POÉTICA (I)
MENINO-HOMEM DE DENTRO
Fabrício Brandão
(Para Kelson Frost, sobre quando olhamos outras margens de um rio)
tudo agora
acusa em sombra a palavra
dos tempos soltos
de verbos acasos
luz de sina acesa
tem gosto secreto
espraiado em turva estrada
memória inalcançável
produto das coisas não ditas
um olhar se abriga
dorme em leito avarandado
abandonando escuros tons
ínfimos prazeres aceleram torpores
canibalizando delírios raros
mas desejos inventados
não são capazes de convencer o dia
A DANAÇÃO DE CHICO FERRO DOIDO
(Heitor Brasileiro Filho é poeta,
crhonesto & friccionisto –
ex-tenso,
ex-es-tático
& ex-tinto)
JANELA POÉTICA (II)
ROTINA
Jorge Elias Neto
Convivia-se com a conformidade
de ter o universo próximo de casa.
O espaço delimitado
pelo absurdo traço da conveniência
era marcado pelas solas dos sapatos.
(que trazia a fotografia do mijo fora da privada)
Para o gozo
O número era par.
De pouco importava a singularidade da morte.
(Jorge Elias Neto é capixaba de Vitória - ES. Médico cardiologista, publicou o livro de poesias “Verdes versos”, lançado em 2008. E o poeta nos diz: “Sou do tipo de poeta que não tem cisma de beijar o diabo na boca. Sou poeta; aprendi cedo a mordiscar os lábios de Deus”)
OUVIDOS ABERTOS (I)
Por Fabrício Brandão
PIERO BIANCHI & RICARDO CHACON – TERRA PAPAGALI COFFEE SHOP
Um mirar apurado aos nossos próprios espelhos e não demora a percebermos que há algo muito além de um óbvio refletido. Os relances patentes de nosso caldeirão de caras se alargam para muitos ambientes onde habita em profundidade nosso mais genuíno sangue. Por mais que sejamos rostos travestidos do novo, um sentimento apegado à gênese de nossas virtudes pulsa nas entrelinhas. E é assim que recobramos e reacendemos nossos sentidos quando visitamos as alamedas musicais construídas pelos pernambucanos Piero Bianchi e Ricardo Chacon. Terra Papagali Coffee Shop é o batismo pelo qual somos conduzidos para os caminhos que levam dentro de um Brasil sensível, terra-mãe generosa que por aqui exala seus traços exuberantes. As canções integrantes do disco revelam o altar em que são devotadas as raízes de nossa música, mesclando referências a temas como o amor e a natureza. No entanto, o pano de fundo das verdades ali cantadas tem razão de ser quando exorta uma busca leve pela essência humana.
“Viver é um bem maior pra se encontrar”, diz a faixa Se Vai Se Vem, cuja letra comprime espaços sublimes de nossas passagens de vida. Com as imagens delicadas da pureza de sentimentos, podemos nos enxergar cruzando as vias de Som e Sol, música que conta com a participação bela da cantora Isaar França. Por aqui, também empresta talento a voz da francesa Camille Baroiller em meio à batida moderna de Innatura. Com o sotaque cadenciado do samba, Oferenda na Praia encanta pela maneira lúdica e, ao mesmo tempo, lúcida com que desfila seus apelos sonoros. O disco deixa traços de influências notáveis da MPB numa referência implícita a nomes como os de Tom Jobim e Edu Lobo. O cuidado com o qual os arranjos são tratados é outro ponto forte do álbum, pois a cada ambiente desenhado pelos apelos das canções corresponde um signo sonoro que se encaixa perfeitamente às imagens sugeridas. Há algo de arrebatador na intensa Tanto Tempo, faixa que transpõe com beleza as marcas temporais do amor, além de promover um diálogo com as feições clássicas do samba. Terra Papagalli Coffee Shop é uma jornada bucólica ao centro de emoções nossas, equilibrando em seus serenos tons a dualidade de que somos feitos.
JANELA POÉTICA (III)
MARCA A FOGO
Lita Passos
Eu trago um deus doído
Na planta dos meus pés
Gemendo, a cada passo, ferido.
A vida me ensina pisar leve
Nas pedras, na areia, no chão.
A vida me instiga seguir leve
Entre segredos, verdades, oração.
Eu trago na vida uma coisa doída:
Algo assim como uma topada
Algo assim como uma partida
Eu trago a alma a fogo marcada!?
(Lita Passos diz que sua poesia passeia livre entre as grades sensíveis da palavra. No seu texto reverbera o canto mais delicado da raiz do rosário de lembranças. Publicou: “Mão Cheia (2005)”, “Nosotros (1996)”, “Flores de Fogo (1994)”, entre outros)
João Pedro Roriz
Friedrish Schiller foi um grande autor de peças teatrais que o tornaram, ao lado de Goethe, uma referência do pré-romantismo alemão. Os dois dramaturgos criaram um movimento em seu país chamado “Sturm Und Drang” que se predispunha a elevar a arte como elemento consolidador de duas naturezas humanas – o racional e o sensível. Schiller defendia a arte como forma de educação de pessoas que, por determinado motivo, não possui em sua personalidade um destes elementos. Segundo ele, o homem racional só pode se tornar sensível quando observa o belo, ou seja, quando se torna “estético”.
Baseado neste conceito, o filósofo Nietzsche aborda em seu livro “Natureza da Tragédia” o nascimento do teatro dionisíaco na Grécia do Séc. VI a.C., e defende a tese de que o movimento teatral surgiu da necessidade humana de formalizar a arte através do ritual de convenções expostas no espelho teatral e da necessidade de extravasar este mesmo formalismo através da embriaguez.
Nietzsche confrontou Kant quando este último criou a teoria do desinteresse das obras de arte. Para Kant, a arte não pode sofrer julgamentos, pois não possui “propósito prático”. Já o filósofo Stendhal chamou o belo de “Promessa de Felicidade”, o que foi defendido por Nietzsche para a crítica ou degustação da arte.
Antes de Aristóteles, o autor da “Poética”, Platão já questionava o verdadeiro valor das obras de arte e se indagava constantemente: “Para que pintar uvas tão perfeitas se elas já existem no mundo real”? De certo modo, o filósofo menosprezava as obras de arte por entender que derivam da necessidade de copiar e expor conflitos para obter audiência do público.
Não cabe a nós entender Kant, tampouco duvidar de sua retórica, mas não seria necessidade orgânica de um artista expor sua obra a fim de conquistar o reconhecimento do público? Esse reconhecimento não advém da verossimilhança de sua arte em relação à natureza? Como denotar genialidade e brilhantismo senão desta forma? Talvez os grandes surrealistas tenham a resposta. Com a passagem dos tempos, Pablo Picasso e outros puderam reinventar a realidade divina com a reprodução de imagens subjetivas que denotavam o ponto de vista de um único homem. Seria essa a fórmula da obra prima? Abraço Nietzsche quando, em defesa ao trabalho do artista, afirma que a verdade da obra de arte reside no fato de ser ilusória e subjetiva.
(João Pedro Roriz é escritor com formação teatral e jornalística. Publicou Poesia Teatral (ibis Libris -06) e Liras Dramáticas (Vianapole - 07). Em 2009, publicará "Gorrinho, uma loucura crônica" (Paulus - no prelo) e a adaptação de "Orgulho e Preconceito", de Jane Austen (Paulus - no Prelo). No teatro, escreveu e montou "Carmen, o musical (05)”, “Perdas e Danos (06)” e “Psique e o Cupido (07)”. No ofício de ator, trabalhou em diversas emissoras de televisão, com destaque para a Rede Globo onde atuou em "A Muralha" e no Canal Futura, onde atuou em "Tecendo o Saber". Em teatro, atuou em peças notórias, com destaque para "Violetas na Janela")
JANELA POÉTICA (IV)
a dança lunar
Carlos Henrique Leiros
basta-me o afã
da visão que se alastra,
e não conhece em ti qualquer fronteira.
.
pois sei precisamente,
aonde acenam as flâmulas,
que demarcaram o fim do meu delírio.
.
em dubiez, reclina-te,
esfalta-te, pois que o último reinado
sobre esta terra se extinguiu, silente.
.
a nossa dança lunar é quase heróica,
e na minha visão cristalizada,
estás, sempre estarás, crescente.
(Carlos Henrique Leiros é potiguar de Natal/RN, onde, há mais ou menos duas décadas, iniciou-se nas letras, publicando artigos analíticos sobre Literatura, Música e Cinema na imprensa local. Acerca de quase dois anos, dedica-se exclusivamente à Poesia, uma paixão que considera tardia. Gosta de música, livros, silêncio, papéis de gramatura especial e de chás. Planeja para
À ESPERA DE EULÁLIA
(La masturbation)
Mariza Lourenço
(Mariza Lourenço é mãe, advogada criminalista, feminista e escritora inédita
PEQUENA SABATINA AO ARTISTA
Por Fabrício Brandão
Seja nos meios presenciais ou virtuais, as vias que apontam para os feitos culturais jamais podem ser vistas de modo simplista, como se fossem meras condições propagadoras de um conceito genérico e deveras funcional da arte. Nesse terreno eivado de complexidades, alguns confundem equívocos com virtudes, forjando um mosaico de expressões imprecisas e que abre um verdadeiro fosso sob nossos pés. Lucidez e olhar engajado talvez sejam recursos ideais para os que desejarem atravessar essa jornada de modo consistente. E não é impossível encontrar gente que assim o deseje fazer. O escritor Floriano Martins é um deles. Poeta, ensaísta e tradutor, o autor figura como um verdadeiro articulador cultural, principalmente quando a missão é trabalhar em prol da literatura hispano-americana, notadamente a poesia.
Em 2001, criou o projeto Banda Hispânica, banco de dados permanente sobre poesia de língua espanhola, de circulação virtual, integrado ao Jornal de Poesia. Possui vários artigos veiculados na imprensa sobre temas ligados à música, artes plásticas e literatura. Esteve presente em festivais de poesia realizados no Chile, Colômbia, Costa Rica, Espanha e México, dentre outros países. Entre suas últimas publicações poéticas, estão as obras Tres estudios para un amor loco (trad. Marta Spagnuolo. Alforja Arte y Literatura A.C. México, 2006), Duas mentiras (Projeto Dulcinéia Catadora. São Paulo, 2008), e Teatro Imposible (trad. Marta Spagnuolo. Fundación Editorial El Perro y
DA - Sua poesia carrega em si fortes apelos sensoriais, atirando-nos ao terreno envolto em mistérios lúdicos da existência e do amor. O que mais o motiva a trilhar caminhos tão sensíveis de criação?
FLORIANO MARTINS - Atenção ao mundo. Não vejo motivo para contrariar tal ordem. Entregar-se ao mundo com todos os sentidos. Em geral, poetas parecem desprezar a realidade. A mim, me encanta, com seu desafio perene e irrepetível.
DA - Em muitos de seus textos, sobretudo os poéticos, o diálogo entre imagem e palavra assume um papel fundamental na construção dos signos. Como você lida com esse jogo de complementaridades?
FLORIANO MARTINS - Mais do que simples complementaridade, trata-se de uma aposta alquímica. Quando funciona, já não pensamos mais na palavra ou na imagem em isolado. Porém, há mais do que isto. Há toda essa intensidade buscada em um diálogo que caminha para o teatro. São imagens que, em muitos casos, exigem um cenário e seguramente seriam enriquecidas pela presença de vozes, trilha sonora, projeção de imagens etc. A própria estrutura dos livros, com sua tendência ao sinfônico, legitima essa intenção alquímica.
JANELA POÉTICA (V)
A PRAIA DO SONO
à civilização combate
naquela costa brava, erma
um legítimo almirante
um mar resoluto, de guerra
não faz porém só a peleja
que ao olho nu muito imaginam
faz coisa pior, sorrateira
com seu sopro que traz ruína
sopro de sono e de morte
de guardar para arqueologias
sopro severo em seu ofício
que desencarna e coisifica
que encomenda para fóssil
a aposta humana com a natureza
e que ao domínio de um deserto
as suas cores e obras entrega
APERITIVO DA PALAVRA
A FAÇANHA DE MURAKAMI
Por André de Leones (*)
A despeito do tamanho do livro, quase seiscentas páginas, Murakami imprime um ritmo às vezes alucinante para contar as histórias de Kafka Tamura, um adolescente que foge de casa e procura driblar uma terrível profecia, e Satoru Nakata, um velho que, em função de um suposto acidente que sofreu quando ainda era criança, é mentalmente debilitado mas capaz de proezas incríveis, tais como bater papo com gatos e provocar chuvas de peixes ou sanguessugas.
As trajetórias desses personagens irão convergir em algum momento. Para melhor iluminá-las, o autor flerta sem medo com o fantástico e com o absurdo, coisa que talvez confunda os leitores “sérios” descritos no primeiro parágrafo. Essa confusão pode aumentar na medida em que, por outro lado, Murakami não esconde a sua erudição, aludindo a filósofos e compositores clássicos sem, entretanto, atravancar a narrativa com digressões desnecessárias.
A começar pelo título, Kafka à beira-mar traz uma sucessão estonteante e nunca forçada de referências das mais variadas fontes, desde Sófocles até Radiohead, passando por Stephen King e os Beatles. O drama de Kafka Tamura, por exemplo, a profecia terrível que o atormenta desde o início, é inspiração direta da tragédia grega: assim como Édipo, ele estaria fadado a matar o pai e a se deitar com a própria mãe. Graças ao seu talento, Murakami amarra coisas tão díspares e, mais do que isso, coloca todas elas a serviço da narrativa.
O talento do autor, aliás, está presente em cada página, seja na maneira como estrutura a narrativa (alternando, durante boa parte do romance, as jornadas de Nakata e de Kafka) e impede que tanto a sucessão de acontecimentos quanto as citações e referências tornem a história confusa, seja na extrema delicadeza com que desenvolve as situações e cada um dos personagens. Mesmo em passagens de extrema violência (como a que envolve o terrível Johnnie Walker), o autor não permite que o texto fique pesado e destoe do conjunto. É incrível como a história se desenrola com agilidade e coesão, prendendo o leitor desde a primeira página.
No decorrer do livro, ademais, há toda uma discussão sobre identidade (prestem atenção na personagem Oshima), o que dá bem a medida do quanto a literatura de Murakami é dotada de frescor: segundo alguns, não existe na língua japonesa uma palavra correspondente ao termo identidade tal e qual o entendemos. No fim das contas, Kafka à beira-mar é aquilo que o sujeito descrito no primeiro parágrafo poderia descrever como um romance verdadeiramente “plural”.
(*) André de Leones conversa com cachorros e nunca foi ao Japão.
JANELA POÉTICA (VI)
Romério Rômulo
secura imaginária, vasto e bêbado do mundo.
quando consolas a proa de algum barco
tens a medida inquieta, desarmada.
soa atroz o canhão. indagas pela luz
do ferro forjado que compõe o corpo.
pedaços de pupila só devastam os aços
de outra desavença.
só o canhão rejuvenesce. o assim visto
pisas então.
viceja, alhures, tua imensidão.
quanto de homem trago no meu corpo?
e quanto sou de bicho na manhã?
*Poema integrante do livro Matéria Bruta.
(Romério Rômulo nasceu em Felixlândia, Minas Gerais, e é professor de economia política da Universidade Federal de Ouro Preto. “Matéria Bruta” (Editora Altana, SP, 2006) foi seu último livro de poesias publicado)
NA TERRA DE GABRIELA
Affonso Romano de Sant'Anna
Estou com o braço no ombro da estátua de Jorge Amado, aqui em Ilhéus, em frente ao restaurante "Vesúvio", que, segundo a lenda, seria o restaurante de Nacib e Gabriela. Tal a vida, tal a morte: ainda ontem eu punha a mão no seu caloroso ombro de escritor vivíssimo, agora só nos resta a fria estátua. Pelo mundo há estátuas de outros escritores também sentados na calçada da eternidade, à espera dos turistas. Está Fernando Pessoa em Lisboa, lá no Chiado ao lado de uma mesa. Está Drummond sentado num banco ali em Copacabana, e assim por diante. Um fotógrafo de imaginação pode até sair pelo mundo fotografando cenas com esses mortos-vivos.
Mas estou aqui em Ilhéus e cumpro meu alegre papel de turista. Fabrício Brandão e Leila, do blog/site "diversos afins", mostram-me a cidade com fartura de detalhes. Esse "Vesúvio" tem uma estória antes e depois de Jorge Amado, que qualquer um pode rastrear no Google. Por mais que se conte a estória do restaurante que já foi de uma infinidade de pessoas, não tem jeito, ele pertence mesmo a Jorge e seus personagens.
Ainda há pouco acabei de passar pelo "Bataclan", outra reinvenção do romancista, que de antigo bordel, hoje virou centro cultural, onde toda semana encenam trechos da obra de Jorge. Não tem jeito, essa cidade é uma invenção romanesca. Aquela casa ali adiante, que foi onde o autor de "Gabriela" morou, deixou de ser uma simples casa, é um centro de memória em torno dele.
Estou percorrendo seis cidades do interior da Bahia, e aqui e ali, a arte reinventa a vida. Estou em Vitória da Conquista e a primeira coisa que me comunicam, é que esta é a cidade de Gilberto Gil e Glauber Rocha. Vou a Juazeiro e faço conferência no Centro Cultural João Gilberto. É isso, a arte inventa a geografia, a história e transforma simples cidadãos em personagens. Aliás, muitas pessoas sentiram-se promovidas, quando orgulhosamente viraram personagens de Jorge Amado. É que a fantasia é melhor que a realidade e para o artista a realidade só serve para a gente a fantasiar.
Coincidentemente venho à Bahia, quando as obras de Jorge Amado estão sendo relançadas numa grande promoção, e eu voltei a lê-lo porque Alberto Costa e Silva e Lilia Schwarz me pediram para escrever o posfácio de "A morte e a morte de Quincas Berro d' água". Aí, eu que achava que já havia dito tudo o que sabia sobre essa novela, num ensaio anterior já publicado, acabei fazendo uma redescoberta fantástica: Quincas não se chamava Quincas, nem vivia na Bahia. Era cearense e a sua hilariante estória carnavalizada transcorreu, não nas ladeiras de Salvador, mas nas ruas do Rio de Janeiro. Graças a um opúsculo praticamente desconhecido, escrito por José Helder de Souza, fiquei sabendo que Quincas chamava-se Plutarco e que Jorge Amado ouviu suas proezas de amigos em Fortaleza, e quando Carlos Scliar lhe pediu para escrever uma novela para a revista "Senhor” (1959), ocorreu a grande metamorfose. A pena do romancista transfigurou tudo, deu um encantamento único ao Plutarco cearense, que virou baiano para sempre. E mesmo que eu diga que não desapareceu no mar, mas está no carneiro número 6059 no Cemitério do Caju, no Rio, o que vai contar é a versão do romancista.
Ah, o que a literatura faz com a vida! É o que sempre digo: tirem Homero da Grécia e não sobra quase nada. Apaguem Shakespeare da Inglaterra e aquela ilha vai ficar muito sem graça. E, no entanto, dizem que Homero não existiu, e insistem que Shakespeare também é ficção. Eis casos duplamente fantásticos, autores que não existiram inventando toda uma cultura.
Inda bem que eu conheci Jorge Amado, apertei sua mão, ouvi sua voz, estive com ele em debates, dele recebi cartas e telegramas. Se não fosse isto, era bem capaz de começar a suspeitar que ele também não existiu.
Como diria Cecília Meireles reinventando como ninguém a história em "Romanceiro da Inconfidência”:
"Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa!".
JANELA POÉTICA (VII)
Cássio Amaral
***
Platão acena a caverna
mas a poesia morta no chão
apenas sente o sol queimar
devaneios pretéritos
***
símbolos sinos signos
sol demente
a loucura diz aliterações
poemas gritam na madrugada
risco de vida no sonho de Rimbaud.
Poemas integrantes do e-book Lua Insana Sol Demente, 2008.
(Cássio Amaral é Natural de Araxá-MG. É
DROPS DA SÉTIMA ARTE
Por Bolívar Landi
O Sonho de Cassandra (Cassandra’s Dream). EUA/Inglaterra/França. 2007.
Woody Allen é um dos mais respeitados diretores da atualidade. Dirigiu nada menos do que 39 filmes, muitos deles premiados pelos mais importantes festivais da sétima arte. Isto não o eximiu de, nas últimas décadas, ser acusado de se tornar repetitivo em seus filmes. Os seus mais recentes trabalhos, contudo, vêm apresentando uma perceptível variação de estilo. Isto pode ser verificado até mesmo pelos locais que escolhe para ambientar os seus filmes. Ele, que inúmeras vezes utilizou a cidade de Nova York como cenário para as suas obras, vem rodando os seus últimos projetos na capital inglesa. O humor irônico e neurótico, que lhe são característicos, cedeu também lugar a tramas psicológicas com uma forte carga de suspense.
O Sonho de Cassandra, produzido em 2007, é o terceiro filme da fase londrina de Allen. O roteiro, assinado como de costume pelo próprio diretor, recorre mais uma vez, como
No filme, dois irmãos, personificados de forma empolgante pelos britânicos Ewan McGregor e Colin Farrell, são obrigados a tomar uma angustiante decisão diante de uma situação limite. O filme nos faz refletir até onde temos controle sobre as nossas escolhas e sobre as conseqüências de nossos atos. A tragédia nos diz que por mais que tentemos planejar a nossa vida sempre estaremos sujeitos à ação do imponderável, do incontrolável, do mistério que parece reger toda a nossa existência.
Mais uma obra inspirada de Allen que conta ainda com a competente trilha sonora do experiente Philip Glass, conferindo uma adequada ambientação ao triller. Um filme para se ver, pensar e reservar um privilegiado espaço em sua videoteca.
JANELA POÉTICA (VIII)
AGASALHOS
Alba Liberato
Sobre as nuvens, o que menos se espera
é o que elas são: o avesso
e o avesso é tão mais o direito em oposição
que ao passeio dos olhos, eis
texturas. Os carneirinhos juntos
estendidos em manta pronta ao corte
de colete e casacão. Agasalhos.
Os breves descabelamentos esguelhados
pelos dedos que resvalam para o avesso
no cuidado que o direito é guarnição.
Buraquinhos, os falhados pra se ver embaixo
vazios sobre brilhos d’água, esgarçados,
à beira banhada, o mar pele
de animalão. Há o desregrado
de que acha que jamais avesso
será direito, desprezando
montanhas de novelos embaraçados
onde seria arremate, acabamento
capricho de mão. Mas o azul acima
sem rugas, pregas, riscos, nós
tecido inteiro sem emenda, infindado
em paciência de tecelão, não para cobrir pedaço
mas para constituir espaço, é bastante contraste
ao que se reserve avesso/direito
no uso sensível do olho/mão.
(Alba Liberato vem produzindo textos desde a década de 60, incluindo estórias populares do Nordeste para cinema de animação, tendo realizado inúmeros filmes curtos e o longa-metragem BOI ARUÁ, que carrega no seu lombo prêmios nacionais e internacionais)
JORNAL SOBRE A MESA
Rodrigo Melo
Uma xícara, uma xícara de café bem quente para despertar, depois se senta na cadeira e abre sobre a mesa o jornal de quarta, seção de empregos, há tanta gente por aí que está melhor que ele, conta no banco, olha para as palavras escritas na página, pequenas, minúsculas, se tivesse se formado seria médico feito o pai, mas não quis, ele que é uma mistura de homem e de bicho, um pouco de Caim, um pouco de Abel, os dois, as unhas grandes, os cabelos e a barba também, não se lembra mais o que é trabalho, vida, a vida era mais fácil antes, quando não existia tanta gente nas ruas ou quem sabe apenas pareça mais difícil agora, não dá para saber, pensa por alguns segundos que talvez esteja louco, pensa que talvez já tenha nascido assim, um pouco assim, as letras pequenas, nenhuma palavra, nenhum emprego, nenhum cigarro, largou quando fez aquela promessa, não lembra ao certo qual, aliás, acha que lembra sim, foi para parar de fumar, mas a vontade agora voltou, seus dentes estão manchados, ainda a nicotina, o que é aquilo branco na parte de cima da gengiva?, dá mais um gole no café, para despertar, levanta-se e caminha até a cozinha sem saber direito o que fazer ali, somente a vontade de caminhar, de levantar-se e caminhar, por ali, vê na pia o prato sujo de ontem, abre a torneira e deixa que a água caia, fecha os olhos por um instante, pensa que queria ser mais alto, ter músculos, um pau maior, os olhos verdes ou azuis, sente-se velho, sente-se só, o barulho que a água faz sobre o prato lhe dá aos poucos uma sensação estranha, a sensação de que a água jamais deixará de cair, a sensação de que ela irá arrastá-lo por aí, para fora, para o outro lado da porta ou da janela, tanta gente com conta no banco, com o futuro garantido, uma vez pensou em viajar, ir para uma outra cidade, um outro país, diziam que era mais fácil, então sonhou voltar rico, talvez não, mas encarar o pessoal de uma outra forma " what´s up, man?, só que por aqui tudo era muito fácil também, a cama macia, o rosto da mãe quando dizia que sua hora iria chegar e sua hora chegou, chegou, mas ele não está preparado para ela nem se preocupou em estar, ele que é uma mistura rara de homem e de bicho, dos dois, abre os olhos e fecha a torneira, suspira, olha para o prato e ele não parece mais tão sujo quanto antes, passou dias e noites esperando, esperando, esperando pelo emprego ideal, pela mulher perfeita, por talento, jeito, ginga, molejo, clarividência, esperando que alguém lhe apontasse o dedo na rua e de repente gritasse " ali vai um grande homem, olhem para ele, falem com ele -, no entanto tem cáries, pequenos pontos escuros que aparecem quando sorri seu sorriso que nunca foi lá essas coisas, pior agora, retorna para o café e para o jornal sobre a mesa, dá outro gole, mais outro, o sol naquele exato momento vara a janela do apartamento, no seu rosto, no seu rosto o brilho amarelado do sol, por alguns segundos vá-se como uma tocha incandescente no meio da sala, no meio do mundo, outra sensação estranha, esquisita, ouviu falar que todos são iguais sob o sol, mas ele se achava melhor, mais inteligente, passa a mão pela barba, as unhas grandes, há quantos anos que não ia ao barbeiro, há quantos que não tinha o prazer de pagar?, deve ser mais caro agora, dizem que tudo encarece com o tempo, dizem, encosta o rosto ao jornal e o que vá naquele instante lhe parece menos nítido, as letras, as frases, a página inteira, mesmo que nem saiba mais o que com certeza é uma página inteira, passa a mão pelo cabelo, as unhas grandes, levanta-se novamente, caminha até a janela, os espaços são extensos mas cada dia menores, há muita gente por aí, desacostumou-se de olhá-las e as outras janelas, elas que parecem bem maiores agora, as janelas, como se ele estivesse menor, como se tivesse diminuído, cada dia mais só, era para ter sido médico como o pai, olha para as mãos e elas são lisas, sem calos, uma vez pensou em se matar mas só pensou, na verdade era tudo um jogo, ele sempre jogou para a torcida, sempre jogou para as opiniões, sempre levou em conta o que seu tio, sua tia, seu primo, a amiga da mãe iria falar, sente-se tonto, tão tonto que apóia as mãos no parapeito da janela, levanta a vista para o céu e vê que o céu é o mesmo, abaixa a vista e as pessoas lá embaixo são iguais as que todos viram antes, por séculos, séculos e séculos o ser-humano não muda, a massa não muda, apenas o homem muda, ele sozinho, sente de repente uma vontade de sair, mesmo tonto, de andar, de ver outras pessoas, outros lugares, mas sabe, lá no fundo, que este apartamento também irá com ele, irá dentro dele, a cozinha, a janela, a sala inteira, ele que tem medo - medo de não agradar, medo de agradar demais, medo da morte, medo da vida, vida que era bem mais fácil antes, bem antes, tem medo também de não ser o que queria ter sido e de descobrir tarde demais que poderia ter sido o que quisesse, o medo que o afoga e o afaga mas que na prática apenas mata e mata aos poucos, na pior das hipóteses, uma tristeza por dentro, um arrepio pelo corpo, o que são aquelas manchas no peito, no pescoço, aqueles cravos no pau?, queria ter um pau enorme e cheio de veias mas não tem, queria ter pernas grossas, cabelo no peito mas não tem, seu estômago está vivo, o arrepio sobe até a garganta e então o arroto seco, de ar, o arroto do almoço de ontem e de café, queria um cigarro, sente fome, queria um cigarro agora mas sente fome e fez uma promessa, o que faz falta mesmo é um prato de comida decente, descobre, uma daquelas carnes que lembra de guri, sente mais falta ainda de um abraço, de um beijo, de uma chupada, por onde andará aquela menina, como era mesmo o nome?, talvez esteja por aí, talvez não esteja mais, nunca se sabe, parece que todo mundo some depois de um tempo, ele que também sumiu, mas continua por ali, quase de frente para a janela, quase de frente para todo mundo, desacostumou-se de olhar os outros, as outras janelas, a grande e furiosa massa, está com fome, queria saber as horas, que dia é hoje, o que é que falam sobre o seu signo no jornal mas as letras são miúdas e de quarta e ele começa a ter dúvidas, não acredita mais em estrela, sorte, mandinga, patuá, parece que tudo deixa de fazer efeito com o tempo, suas roupas estão velhas, ele inteiro está fora de moda, atrasado, obsoleto, (absoleto?), os dentes mais estragados do que antes, pensou em ser playboy uma época, camiseta estampada com cara de importada, carro do ano e tudo mais mas não deu certo, não era para dar, ele que nasceu para uma outra coisa, veio de uma outra fôrma, de uma outra receita, ele que é uma mistura de Caim e Abel, dos dois, um pouco de bicho e um pouco de homem, queria ter calos nas mãos, queria ter as pernas grossas, impor respeito, entretanto o jornal está sobre a mesa, pensa em caminhar para ele, pensa em olhá-lo mais uma vez, poderia ter sido um monte de coisas, poderia ter sido um rapaz popular, instruído, hoje acha que sim, sente-se tonto, como um soco do tempo, do tempo que passou e que continua a passar, talvez a vida seja uma eterna fuga, do sol, de outros negócios, deixa a janela, se mexe, volta para a mesa, talvez as casas cresçam, os muros cresçam a cada momento, talvez a cada momento fique mais difícil de se fugir, não dá mesmo pra saber, ele que guarda um rancor até hoje do tio, da tia, do primo, da amiga da mãe, de quem lhe deu sermões e ouvidos também, ele que nunca pensou direito sobre a vida, ah, a vida, uma existência outrora tranqüila debaixo de um teto confortável, uma frase de efeito para quem não o compreendia, e tudo cheira agora a espera inútil, a multidão, a corredor de hospital público, poderia ser médico mas na época não imaginou-se de branco, sonhava mais alto, dizem que tudo ganha clareza com o tempo, altura, e o tempo passa, há tanta gente bem posicionada, com conta no banco, carro, para ele sobrou somente uma janela e as outras janelas que a vista pode alcançar, ele que sempre jogou pra torcida mesmo que hoje nem saiba mais o que com certeza é uma torcida, as manchas no peito que não somem, uma sensação esquisita, boa ou ruim não sabe dizer, olha para o jornal, as letras menores, minúsculas, pensa que nunca virá o tal jeito, a mandinga, o talento, a sorte, pensa que talvez tenha enlouquecido ou quem sabe até já nascera assim, um pouco assim, está com medo, está com fome, a cada segundo com mais fome, fome do mundo, fome de comida, fome de nem sabe o quê, sente-se velho, sente-se só, queria ter músculos, os olhos verdes ou azuis, um cigarro, uma chupada, uma namorada bacana, um futuro garantido, queria encarar o pessoal de uma outra forma e parar com tudo, mudar tudo isso que o cerca, mas nada pára, nada nunca vai parar, e então tudo aquilo recomeça mais uma vez, tudo continua e tudo acaba no começo, com a xícara e o gole de café para ver se ele desperta de uma vez.
(Rodrigo Melo mora em Ilhéus, Bahia, e escreve prosa pra não ser chamado de poeta)
JANELA POÉTICA (IX)
MORTO DE AMOR
Sérgio Luyz Rocha
Aos poucos fiz-me atmosfera, poeira e relento de uma cidade às escuras; fiz-me tristeza de estátuas cegas dentro de certezas lançadas a anos-luz de direção alguma;
fiz-me felicidade de núpcias numa gula de giz rabiscando de mentiras os dias que sequer passavam;
fiz-me sereno e chuva amazônica destroçando o convés de uma aventura vítrea trincada a cada manhã ressequida no calendário.
Fiz-me prece e cusparada, fiz-me seiva entre as tuas pernas e desapareci no corte profundo da alma calada;
fiz-me poema atirado aos muros num passe de mágica borrifada
e sacrílego caminhei descalço sobre tuas chamas.
Desdenhei teus mistérios e dancei na noite dos nossos encontros feito um morto esperando a lágrima final, o lacre, a pá de cal, o regresso mudo por entre as árvores da alameda principal.
OUVIDOS ABERTOS (II)
Por Fabrício Brandão
WILSON SIMONINHA – MELHOR
Vez por outra, alguém nos relembra que devemos seguir os imperativos daquilo que realmente desejamos para nós. Mesmo sabendo que reafirmar preferências e consolidar modos de vida não seja tarefa lá das mais simples, algo sempre urge no miolo de nossas vontades, aquilo que vibra como desafio sob a árvore frondosa da individualidade. E escolhas são feitas com base no que pensamos oferecer de melhor. Ouvir o novo trabalho de Wilson Simoninha serve de confirmação para tudo isso. Em seu quinto disco solo, o artista apresenta o resultado da sua vivência musical, tudo traduzido de forma sensível e principalmente madura. Adentrar as faixas de Melhor é perceber que os trilhos encerrados pelo tempo fizeram muito bem ao músico. A canção como É Bom Andar a Pé, por exemplo, parece definir bem o atual momento experimentado por Simoninha, contemplando a serenidade e o olhar sobre as coisas mais simples da existência, temas que se caracterizam como o verdadeiro pano de fundo do CD.
Contando com a produção valiosa de Max de Castro, o disco apresenta um repertório dotado de belos arranjos e letras, além de enaltecer todo o suingue já tão característico do estilo de Simoninha. Rei da Luta, Mareio, Sossega, Balanço e Samba Novo são composições que percorrem com vigor traços fundamentais de nossa brasilidade. Contribuições como as de Jorge Ben Jor, Jair Oliveira e Cláudio Zoli incrementaram ainda mais o álbum. Mas é na canção 26 de Dezembro que Simoninha desfila todo o conjunto de reflexões e reminiscências que o tornaram o homem de hoje, fazendo com que este disco seja, acima de tudo, uma celebração intensa de vida. O ar que povoa a atmosfera de nossa música é espécie reveladora, não se cansa de renovar seus ventos nem tampouco de eternizar o seu nobre convite.
JANELA POÉTICA (X)
Ana Peluso
ficava ali tentando adivinhar as coisas
o pensamento fadado entre sim não talvez
e uma pequena sina de ilusão
os olhos descomportados como os de Amy Whinehouse sentenciavam
o au revoir desdado
pegar de volta o que entregou
ouro. a palavra
prata
sondava andares onde espaço-tempo se desfizesse do incognicível
quando ó só é m se somado a tudo. era ali. a consistência da pele
uma em uma milenar sobressaindo às adivinhações
no pulsar das veias todas as possibilidades de quantas
mantinha os olhos fixos
ali
onde se desenhava a vida e onde a vida se acabava
e se alcançava até os santos...
seria o fim
equívoco único da vida
ou nós de rosários contariam de outros?
engoliu o terço.
que a fecundou no terceiro dia
sob os olhos complacentes
de deus e toda a sua côrte
que cantavam You Know I'm No Good
(Ana Peluso, 1966, paulistana, bloga no Babels)