CICERONEANDO
Assim como a vida encerra seus múltiplos desafios, também o é com o aprendizado pela arte. Quando ainda estamos dispersos, sem referência, aprendendo a aprender, nada ganha mais importância do que se ter vontade. Ter desejos e sustentá-los frente ao futuro incerto das coisas é, acima de tudo, ter coragem para caminhar sempre. É de se pensar o quanto isso pode mexer, por exemplo, com a cabeça de novos autores e artistas. Onde a estrada que leva a caminhos consistentes na prosa e na poesia? Onde a possibilidade de externar imagens coerentes com os interesses de um vasto e indecifrável mundo? Filosoficamente falando, tamanhas dúvidas poderiam significar a busca viável por respostas. No entanto, questionamentos vazios também parecem não servir para muita coisa, além de aumentar a sensação de ignorância. Há muita gente buscando evoluir as suas perspectivas criativas, sobretudo através das escutas com aqueles que detêm uma rica vivência no ofício de se lidar com as palavras. Aos novos, e por que não aos mais experientes também, será sempre tempo de saber ouvir críticas e, mais ainda, de perceber a si mesmo com olhares menos distorcidos ou superestimados. A vaidade, caro leitor, há também de reconhecer a força necessária e inalienável da qualidade genuína das produções, e não meros lampejos advindos do ego. Estando no mundo, abrimos os sentidos para aquilo que merece ser levado
*Comentários podem ser feitos ao final da Leva, no link EXPRESSARAM AFINIDADES.
JANELA POÉTICA (I)
O PÁSSARO HORRENDO
Elaine Pauvolid
A Gerardo Mello Mourão in memorian
Horas há em que o invisível atiça-me.
Alma abrasada, o coração sinto.
Vacilo pela casa, esbarro num menino.
Algo desigual iça-me.
Em mar alto, barco seguro,
impeço queda pior.
Quase afogado, vejo um pássaro,
sorrio-lhe dentes de carne.
Acena-me o sorriso, seu bico.
Posso adivinhar-lhe bem o cerne,
volto-me contrário, não modifico.
Distante o quero, mas veio buscar-me.
Dedilho, áspero, meu barco perdido.
Alcanço minhas armas, acerto-lhe um tiro.
Caído o monstro, carranca de espelho.
Vejo-me ferido.
Rosto bizarro mergulhado.
em descomeço, apareço
num mundo ao contrário,
acenando a mim mesmo.
(A carioca Elaine Pauvolid participou de Vertentes, coletânea de poemas e fortuna crítica (Fivestar, 2009) e é autora de Leão lírico, (Edição da autora, 2008). Ganhadora do Prêmio Biguá de poesia 2006, concedido pela SADE (Sociedade Argentina de Escritores). Participou de Como angeles en llamas - Algunas voces latinoamericanas del S. XX. (Editorial Maribelina, 2004) e, também, da coletânea de poemas Rios (Ibis Libris, 2003). São ainda de sua autoria Trago (edição artesanal da autora, 2002), com prefácio de Gerardo Mello Mourão, e Brindei com mão serenata o sonho que tive durante minha noite-estrela... (Imprimatur/ 7 Letras,1998). Colabora com a imprensa como resenhista literária desde 1999, com matérias publicadas no Jornal do Brasil e O Globo, entre outros. É editora e fundadora de Aliás, revista eletrônica de cultura)
Foto: Ricardo Sena
SENHOR DOS DESTINOS
Cláudia Magalhães
Quarta-feira, 18 de março de 2009
Caro Sr. Fulano,
Possuo uma crueldade excepcional que, quando adormecida, cede lugar a uma ternura intrigante, curiosa, que me entorpece, me alivia. Sou escravo dessas duas realidades. Elas me fazem nascer e renascer, todos os dias, e me tornam humano. Sempre que atravesso a delicada e invisível fronteira que as separam, sou tomado por uma espécie de estupidez execrável que, com o passar dos anos, me fez perceber que o espaço que separa a vida da morte é feito de silêncio, do simples quebrar de um salto, de uma brevidade não medida pelo tempo. Somos movidos por uma bomba-relógio chamada coração, cujo controle não nos pertence. Deixei de sentir revolta, aprendi a não brigar com o que desconheço, perdi o sentido do pecado.
Acredito basicamente em três coisas: na inexistência de Deus, na existência da maldade e na magia da Literatura. Ah... A Literatura! Ela coloca fantasia na sola dos meus pés, arranca minha língua, educa meus ouvidos e quando dou por mim, sou mais um personagem dos Deuses de minha vida. Identifico-me bastante com Édipo, todos os dias, quando acordo, furo meus olhos para não enxergar a podridão do mundo.
O que falar da Literatura que provoca? Que destrói o belo e se masturba quando apresenta as baixezas do homem? Engana-se quem acredita que ela não espera por resposta. Todo bom livro delira de gratidão quando nos arranca uma lágrima, de alegria ou de dor, que usa, sabiamente, para afogar suas traças.
Nada há de extraordinário em minha vida. Rejeitado pelos meus pais, ainda adolescente, eu roubava para sobreviver. Amante da solidão, usava o dinheiro para pagar o quartinho fétido da pensão, comprar comida e livros nos sebos da cidade. Antes de dormir, sentava com alguma bebida barata e escrevia sobre o meu dia, hábito que mantenho até hoje. Escrever é minha única forma de perder a sanidade quando não estou vendo um bom filme ou lendo um bom livro. Não conseguindo viver na “normalidade”, escondo-me em qualquer lugar dentro das infinitas possibilidades das palavras, em seus altares devassos, em seus inferninhos divinos, onde o ponteiro do relógio move-se na velocidade e na direção dos meus pensamentos, onde a única lei é a de perder o juízo. Sem escrever, enxergaria minha existência da mesma forma que meus olhos, desprovidos de um espelho, enxergariam minhas costas.
Aos vinte e dois anos, cometi meu primeiro crime. A boa quantia em dinheiro apagou, rapidamente, qualquer possibilidade de remorso, afinal, aquele pobre homem poderia, ao atravessar uma avenida, tropeçar em alguma pedra solta e ser fatalmente atropelado. Quem pode prever o futuro nessa bola que gira manipulada pelo desconhecido? Desde então, passei a viver, sempre, de malas prontas. Não permaneço mais que uma semana na mesma cidade. Motivo pelo qual dou de presente meus livros assim que os termino de ler, mas sempre com a dedicatória: Cuide bem deste livro, ele salvará sua vida!
Hoje, o senhor me fez viver um fato curioso, mágico. Quero que atire nas duas partes podres do corpo daquela filha da puta: na buceta e no coração! Foram suas últimas palavras no início da noite. Depois de anotar o endereço, seu rosto, antes nervoso, estampou uma sensação de solidão absurda. Seria essa a face do amor contrariado? Por que sofrer por um simples abandono? Desgraça maior é morar num apartamento luxuoso sem estantes, sem livros! Bem, isso, agora, não importa. Saí da sua cobertura elegante, parei num boteco de esquina, em frente ao fatídico hotel e pedi um conhaque. Quanto mais aproximava a hora marcada, mais aumentava minha excitação. Uma espécie de gozo contido queimava meu juízo e me fazia beber compulsivamente. Não tardou para que ela aparecesse na rua deserta, com um vestido solto, preto, que lhe ia até a altura dos joelhos. Aproximei dela com a fúria de um animal selvagem desprovido de alimento. Assustada com o barulho dos meus passos, ela virou abruptamente e protegeu o peito segurando com as duas mãos um livro: Diário de um Ladrão, de Jean Genet! Gelei até os ossos. Em minha mente, somente, as palavras daquele Deus, cujo túmulo não poderia depositar flores: Conservei-me atento para agarrar esses instantes que, errantes, me pareciam estar a procura, como de um corpo, uma alma penada, de uma consciência que os anote e os experimente. Quando a encontram, param: o poeta esgota o mundo. Essa lembrança eletrizou meus cabelos, escorreu pelas minhas costas, preencheu minha coluna e virei verso. A minha alma farta de poesia assumiu proporções indescritíveis. Vestindo de letras as minhas fraquezas e a minha maldade, tornei-me a mais bela das criaturas. Observando a minha cara assassina coberta de vergonha, ela correu assustada, em direção ao hotel. Se prosseguisse com meu plano, desmoronaria. Não poderia matar alguém com um livro que me fez encontrar o vazio, a existência do mundo e a certeza de saber que não o possuo.
Coloco, agora, sob o seu cadáver essa carta para que outros a leiam quando o encontrarem em sua luxuosa cobertura "sem livros". Peço-lhe perdão, embora não sinta o menor arrependimento, afinal, você poderia tentar, novamente, matar o que temos de mais belo e raro: bons leitores! Quanto ao senhor, quem se importa? O senhor poderia atravessar uma avenida, tropeçar em alguma pedra solta e ser fatalmente atropelado. O que me resta dizer? Desgraça maior é ser Lady Macbeth e ser coroada com a loucura, é ser Othelo e não poder viver em paz seu grande amor, é viver numa mansão sem livros, é saltar para o nada sem ter conhecido o lirismo de Genet!
(Cláudia Magalhães é escritora, dramaturga e atriz. Dentre seus trabalhos destacam-se as atuações nas peças "O Mito do Andrógeno", "Debacoabete", "As Fúrias", "Relações", "O Oitavo Pecado Capital", "O Caminho das Folhas de Outono" (Adaptação da peça "Macbeth" de Shakespeare), "Humor a Dois", "Neurótica" (monólogo de humor de sua autoria), entre outras. É autora de vários contos, que publica em seu blog e em sua coluna "Delta de Vênus", na revista Papangu. Como dramaturga escreveu, dentre outros, "Entre Nós (2009)", "O Outro Lado da Lua", "Um Presente de Natal"(2005), "Terra de Sant'Ana"(2006 e 2007) e "Nossa Senhora dos Navegantes (2010)")
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (II)
LADRÕES
Nestor Lampros
Os que roubaram a luz
reconfortam-se: são todos cheios de capuzes
e comandam centuriões,
fósseis eólicos, metanóicos, urzes...
Os que roubaram as mãos firmam-se em
ter razão. Depois discórdias, batalhas,
sem perdão...
Os que roubaram as palavras
afirmam que nunca chegarão.
E dão lugar a casa dos jactantes vãos...
(Eu aqui, quieto, imagino porque ladrões
adoram a televisão...)
Por isso cultivo urtigas, gases nobres e
matáforas, metástases. Para que me deixem cá, quieto,
no que eles nunca saberão:
-o valor do valor pretérito, o tempo, este
sem direção de ventos, negação ou duração.
(Sou arte-educador, poeta, artista plástico e quadrinhista. Desde o começo dos tempos venho cogitando e aceitei o desafio. Hoje sou poeta. Amanhã tentarei roubar um pouco dos sóis em minha cidade. E queimar a alma idiota das nuvens que não concebem o óbvio: nascer uma segunda vez - termo. Plena chuva do vento/tempo. Em Atibaia, minha textura, meu sal de suores noturnos, minhas vestes de penumbra, meu recolhimento tácito...)
O que pode significar para alguém estar à frente de seu próprio tempo? Certamente, tantos e tão complexos sentidos. No caso da personagem Jenny (Carey Mulligan), uma pacata estudante de 16 anos, não encontramos sinais patentes de vanguardismo, mas um desejo sereno de transgressão. Criada em um sistema educacional tradicionalista, a jovem londrina imagina-se além do seu restrito e linear mundo. Dividida entre a conclusão dos estudos, o almejado ingresso em Oxford e o surgimento de uma nova paixão, Jenny transita de forma decidida por entre seus dilemas. Há em seu comportamento uma conduta nem um pouco usual para adolescentes de sua idade. Suas ações refletem um grau de maturidade até mesmo surpreendente, revelando apostas firmes em direção ao destino que aposta ser o melhor para trilhar.
De todas as questões levantadas pelo filme, a relação da protagonista com um homem mais velho até poderia surgir como ponto crucial. Mas não é. A figura de David (Peter Sarsgaard) avança de modo pouco invasivo sobre as convicções de Jenny. E em meio às descobertas proporcionadas por um amor adulto, a moça mais parece ensinar do que aprender. Mesmo com o novo lugar instaurado pela aparição de David em sua vida, a protagonista se apresenta mais madura do que ele. Até mesmo a ingenuidade inerente à fase vivida por ela não aparece de modo óbvio. Fica a sensação de que o futuro, de uma forma ou de outra, um dia se revelará como um velho conhecido.
Dirigido pela holandesa Lone Scherfig, egressa do movimento Dogma 95, o filme atrai pela simplicidade. Não há lampejos espetaculares em meio à narrativa. O roteiro, assinado por Nick Hornby (Alta Fidelidade), é algo econômico e sua força está justamente associada aos questionamentos evocados. Quando Jenny, dividida que está entre os estudos e a paixão, rompe com o conservadorismo de uma tradicional escola londrina, também é posto em voga o papel da mulher na contemporaneidade. Nesse aspecto, entra em cena uma discussão interessante sobre a questão das escolhas que temos de realizar na vida, bem como suas implicações.
Uma espécie de ética dos desejos e vontades humanas parece flutuar por sobre a camada intrínseca da narrativa. O risco proposto pelos caminhos trilhados poderia levar todos nós a poder rever as direções sem peso nem tampouco julgamentos de ordem moral. E Educação não tenciona maiores pretensões dentro dessa temática. Pelo contrário, sugere-nos lidar com a perspectiva do recomeço mesmo quando tudo possa parecer irremediável.
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (III)
EN EL MUSEO DE ADENTRO
Luis Benítez
recuerdas amor mío el largo adiós
subdividido las innumerables salas como siglos
como millones de años cada vitrina absorta
y en el centro de donde emanaba la extensa arquitectura
el dinosaurio
enorme la fiera extinta
la cabeza más grande que el cuerpo
el bocado feroz todavía tendido hacia la carne
asimismo evaporada
los cónicos dientes las fauces en el solo hueso
como la crueldad de dos que se aman
y se hieren profundamente en una frase
un gesto debajo de la apariencia de inmovilidad
debajo de los huesos debajo del alma
el gran animal insomne que reina todavía
pasea por nosotros el reptil tan hondo
y tú y yo callamos
ante el conflicto escamoso
que arrastra su cola amarga
por ese jurásico escondido
tan suyo fue como nuestro es
aquel pantano
es este
malignamente te amo
malignamente te espera esta carne desnuda
que el tiempo no evapora
porque sabe que vence a la fauce
indefensa
(Luis Benítez nasceu
Foto: Ricardo Sena
POR VEZES INCOGNOSCÍVEL
Isaias de Faria
Álvaro e Cíntia iam pra lá quando se sentiam serrados ao meio. Criaram um refúgio incólume, um ninho de vinho e incenso, quase uma homenagem a Eros que não conheciam. Lá, eles também fariam planos quase paranormais e, frente a frente, sorriam de si mesmos, aí paravam e, com voracidade subumana, aniquilavam seus desejos. Depois iam embora. Na volta a este lugar, só mudavam as queixas: os sorrisos e as risadas continuavam as mesmas. Não saturavam as formas animais de partir pros arranhões e mordidas. Cada beijo parecia ter sido reprimido há meses. Com isso, avolumavam as partes, as vontades pareciam durar até não mais existir fim esperado. Naquela cabana não faziam nada, além de desfragmentarem-se.
(Isaias de Faria é poeta, mora
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (IV)
VIDA
Elane Tomich
Na alma um sorriso meu
vacila entre ironia e fé.
É como se houvessem pés
alados, rumo ao coração
ao pico onde foi lacrado
o prumo, o tempo a cadeado
O que tenho de aniversários
vencidos, é inteiro rosário
escolhas de antemão quebradas
de vidro, vida estilhaçada.
Até que houve um certo brilho
versado no mesmo estribilho
Concordo que a esperança
não é espera que alcança
é antes, pura concordância
entre o viver e estar em que da vida
assim faço minha via crucis
café eu gosto com canela
nesse desfile imenso à fantasia
onde viver é reza, dança e teimosia
e a perspectiva da janela.
(Nasci em Belo horizonte, final dos anos cinquenta. Menina de escola, fui morar entre os Vales do Mucuri e Jequitinhonha, terra rude de almas doces, cenário dos "Grandes Sertões, Veredas... Desde então passei a escrever para os meus amigos da escola rural e virei uma contadora de história. Fui para Curitiba onde estudei e me casei. Professora na Universidade Federal, ali também contei as histórias dos imigrantes. Três filhos, três netos, assim vive meu coração, lançando ramas de nostalgias compridas, como são as distâncias onde plantei meus mortos e minhas esperanças)
Foto: Ricardo Sena
PEQUENA SABATINA AO ARTISTA
Por Fabrício Brandão
Um poeta enxerga no escuro, agarra o desavisado dos instantes e depois penetra no âmago dos seres desafiando seus mistérios. Talvez esta seja uma definição possível para a sina dos que se atrevem aos versos. Sugestão e provocação podem também firmar-se como instrumentos hábeis nas mãos de artesãos da palavra. Aquele que se dedica à feitura dos versos pode saber como ninguém abraçar o lirismo e a subjetividade, mas também lhe é necessária certa intimidade com as referências canônicas. Abraçado às sementes plantadas pelos clássicos, um autor também é capaz de verter novas frentes com adequada propriedade.
Por tudo o que foi dito acima, importa termos na literatura, sobretudo, uma inesgotável fonte de aprendizado. E tal ofício é feito também da perspectiva do encontro, do acesso a pessoas que nos conduzem ao exercício da escuta e reflexão. O escritor baiano Ildásio Tavares serve como um exemplo vivo dessa dinâmica. Dono de uma trajetória de vida guiada pela palavra, Ildásio abarca muito mais adjetivos do que poderiam supor as suas faces de poeta, letrista de música, professor, tradutor e ensaísta, dentre outros. Há nele uma lucidez, que se adequa com precisão aos nossos tempos atuais, quando o tema é o discorrer sobre o quanto andamos em termos de produção literária. Pertencente à geração Revista da Bahia, são de sua autoria os livros Imago (1972), Ditado (1974), O Canto do Homem Cotidiano (1977), Tapete do Tempo (1980) e Poemas Seletos (1996), entre outros. Sem dúvida alguma, um dos trunfos de sua criação poética reside na habilidade em nos ofertar uma linguagem que prima pelo poder de síntese. Nesta breve entrevista, Ildásio divide conosco impressões sobre alguns temas como sua obra, o comportamento dos novos escritores e o papel das escolas de Letras na formação dos alunos.
DA - Sua trajetória abarca incursões que o posicionam em frentes como a de ficcionista, dramaturgo, letrista de música, tradutor, ensaísta e, claro, poeta. Nesse caminho de tão múltiplas facetas, você parece ter vivido tudo com muita intensidade, tanto que isso se reflete na sua obra. O que se consolidou em você como sendo mais marcante?
ILDÁSIO TAVARES – Comecei aos 18 anos publicando conto. Aos 19 publiquei um ensaio sobre Ortega. Aos 22 o primeiro poema. Aos 36 estreei no teatro. Aos 37 escrevi o primeiro romance. Aos 47, uma ópera negra. Crítica e crônica sempre. A tudo subjaz o jornalismo dos 18 anos. Com 26, na MPB, mas como arte verbal, letra, apesar de ter parido melodias. Estatisticamente sou marcado como poeta. Mas isso é redutivo. O impulso poético é tão forte que faço poesia
DA - A capacidade de síntese está presente de modo marcante em muitos de seus poemas. Seria ela uma estratégia útil de provocação aos sentidos do leitor? Há algum limite para se utilizar os recursos da sugestão?
ILDÁSIO TAVARES - A síntese é fundamental na poesia. Ezra Pound dizia que poesia é a arte de dizer muito com poucas palavras. A poesia deve estar nua e não em vestido de baile, ou com penduricalhos.
DA - Fernando Pessoa atribuía ao poeta a condição de um fingidor. Ao que você credita ser a verdadeira missão de um poeta?
ILDÁSIO TAVARES – Escrever.
DA - Você tem uma larga vivência como editor de revistas literárias. No que se refere à avaliação de textos, separar o joio do trigo sempre foi uma tarefa delicada? Juízos de valor são mesmo importantes?
ILDÁSIO TAVARES – Com 18 anos (marco importante) comecei a ensinar literatura americana na ACBEU por um prodigioso manual que não só lhe dava teoria mastigadinha como um modelo de análise de cada texto. Vou dizer a teoria poética porque é curta, prática e objetiva, útil a um poeta principiante ou mesmo meiocaminhandante. Poesia tem recursos significativos e sonoros. Os significativos são: a ideia central, o tom, e a imagística. Os sonoros são a melodia e o ritmo. Todos devem ser coerentes entre si, salvo na exploração do contraste. Foi a semente dos meus estudos estilísticos e estruturalistas posteriores, sem esquecer Marx que encaixa como uma luva na ideia central. Desde então, evito o julgamento afetivo ou ideológico. Julgo textos. Só.
DA - No caldeirão literário, vaidades borbulham a todo instante e muitos autores não são receptivos a críticas até mesmo construtivas. Parece haver um sentimento míope de que tudo já está pronto. Qual a sua opinião sobre isso?
ILDÁSIO TAVARES – Nada está pronto. Vivo às voltas com um crítico impiedoso e ferrenho chamado Ildásio Tavares. Difícil um texto ir pra rua com menos de quatro versões. Escrevo e reescrevo feito um possesso, afastando-me do texto até por quinze dias e retomando-o como se fosse de outrem, pelo distanciamento. E nunca fico satisfeito. Mostro meus poemas a Maria da Conceição Paranhos e a Adelmo Oliveira. Antigamente, quando andávamos juntos, os quatro aquarianos, Pedro Lyra, eu, Marcus Accioly e Fernando Mendes Vianna, a gente trocava os textos. Fernando andou tirando tanto bife de um livro meu que vai sair agora que o dediquei a ele. Como dizem os ingleses, nenhum bode é perfeito. O pior inimigo do escritor é o espelho.
DA - Chega a ser um tema recorrente a quantidade de críticas negativas ao papel das faculdades de Letras no cenário contemporâneo brasileiro. No seu olhar de professor, o ambiente de ensino acadêmico tem sido incapaz de propor perspectivas renovadas e efetivas?
ILDÁSIO TAVARES – Ensinei literatura portuguesa 25 anos na UFBA. O equívoco básico do ensino é, primeiro, obrigar o aluno a ler sobre o autor e raramente ler o autor. A maioria dos estudantes de Letras sai de lá sem ter lido Os Lusíadas, Os Sertões, Os Maias, Memórias Póstumas de Brás Cubas e, o que é o pior, sem ter lido os autores baianos. Segundo, o ensino se transformou num tecnicismo babaca, num flagrante neo-positivismo de província. As apostilas eram as mesmas há dez anos. Era só bater as matrizes e mimeografar. Aboli as apostilas. Solicitei que os alunos escolhessem os textos, dando-lhes a bibliografia e trabalhando em regime de seminário. Um rendimento assombroso. Fui paraninfo duas vezes.
DA - Acredita que projetos de formação de leitores são uma saída possível para aproximar pessoas dos livros?
ILDÁSIO TAVARES - Acredito sim. Não se pode entregar o público ao lixo.
DA - Até que ponto poesia e música são realmente gêneros irmãos?
ILDÁSIO TAVARES – Poesia é música de palavras. Música é a poesia não verbal.
DA - Você estabelece um diálogo frequente com novos escritores. Pelo que observa, o futuro da literatura brasileira pode nos revelar bons sinais?
ILDÁSIO TAVARES – Tem o estilo de época e o estilo individual. Por uma série de fatores que extrapolam o talento dos novos poetas, esta não é uma época boa. Era mais fácil e melhor fazer poesia nos anos 60. As causas? Só uma tese de doutorado. Mas mesmo nas épocas ruins despontam fortes talentos individuais. Só há um século na literatura de língua portuguesa em que não há vestígio de um poema sequer. É o século XIV que, até hoje, se constitui em um mistério para os pesquisadores. Povo nenhum para de fazer poesia por um século. Contudo, nos trezentos há zero poesia.
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (V)
(H)eras
Ricardo Mainieri
Apesar das horas incertas
as (h)eras crescem
nos muros e dentro de mim...
(Ricardo Mainieri, porto-alegrense, da classe 1960. Publicitário, funcionário público, poeta e prosador. Autor do livro-solo "A travessia dos espelhos". Participa de vários sites de literatura na Internet. Colabora, anualmente, para a Agenda da Tribo, tradicional publicação de poesia independente)
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (VI)
O COMUNICADOR
Cyro de Mattos
Sedenta e faminta a tua alma
Das amargas que eleges como facas.
Sanha em que lateja teu ciúme,
A inveja do poeta e suas vitórias.
Prazer de ferir o teu teatro
Onde cães ladram raivosos.
O mundo desumano te fascina
Embora exista a flor até no pântano.
Há o som da foto três por quatro,
A arenga nessa baba enfadonha.
Penduricalhos: óculos e binóculos
Enfeitam teus clichês na rima tola.
Nessa ferrenha disciplina diária
Verdades essenciais não escutas.
No próspero comércio do poder
A falsa glória reserva tua cota.
Barras de ouro ou em sabão
Na miopia da leitura frouxa
Do que aconteceu e acontece
- De que lado não importa.
Assim o sol com seu cristal
Não risca as estações generosas
Que ele põe nos seres e coisas
Quando colhe brisas e chuvas.
Não se acasala com os instintos
A lucidez dos puros sentimentos.
A beleza que renegas da vida
Tece em mim mesmo a cada dia
Os fios eternos do sonho
Entre o luar e a folhagem.
Embalam-me com a aragem
Dos jardins que fecundam formas.
Não demora o tempo a cobrar-te
Isso em que outrora escrevias.
Vestido de nadas no leito solitário
Não deixa dúvidas teu oco resumo.
Justo tributo em metais de silêncio
Sem o tom provinciano diabólico.
(Cyro de Mattos é autor de 40 livros, sendo 14 de poesia e, entre eles, “Cancioneiro do Cacau”, Prêmio Ribeiro Couto da União Brasileira de Escritores (Rio), finalista do Jabuti e o Segundo Prêmio Internacional Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, e “O Menino Camelô”, infantil, Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Artes. Tem antologia poética publicada em Portugal, Itália e Alemanha. Representou o Brasil como convidado no III Encontro Internacional de Poetas, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Atualmente é o diretor-presidente da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania)
OUVIDOS ABERTOS
Por Fabrício Brandão
PAULINHO MOSKA – MUITO POUCO
Alguns anos adiante e Paulinho Moska volta à tona com um novo trabalho autoral. Se formos pensar no jogo de oposições, aparentemente sugerido pelo título, o álbum duplo até poderia tencionar um duelo entre o que denota intensidade e aquilo que instaura sentimentos mais serenos. No entanto, as antíteses diluem-se de modo equilibrado nos dois discos, sem exageros e maiores afetações e nada lembram um conflito de sensações antagônicas. É como relembrar a característica do bom e velho vinil, já que os dois cd’s assemelham-se muito a duas faces de uma mesma moeda, quiçá lados A e B de um percurso conceitual.
O disco Muito alardeia seus trilhos sonoros feitos de elementos advindos essencialmente do pop. E isso pode ser percebido em canções como Devagar, divagar ou de vagar, Muito pouco, Canção prisão e Quantas vidas você tem. Por sua vez, Pouco exala apelos poéticos, privilegiando letras um tanto mais reflexivas e eivadas de delicadeza, a exemplo de Semicoisas, O tom do amor, Sinto encanto, Provavelmente você e Não. Cada álbum encerra nove faixas, sendo que Pouco assinala as participações especiais de Maria Gadú, Pedro Aznar, Kevin Johansen e Chico César.
Mesmo a aposta sonoramente mais pop de Muito consegue demarcar um território onde as letras não deixam de pontuar sua importância. Diga-se de passagem, o diálogo entre texto e música, marca registrada da trajetória de Moska, permanece bem vivo ante estas novas escutas. A temática das relações humanas, o olhar sobre o amor e outros tons existenciais servem como base para a formatação desse novo rebento. O cantor e compositor revela-se hábil em nos ofertar uma valiosa conjunção de ideias e imagens, aspectos inerentes a trabalhos musicais de qualidade. Se Muito deita olhares sobre um mundo que evoca leituras externas, Pouco propõe uma atmosfera mais voltada para o âmago das coisas, seus tons mais intimistas. Como praticamente tudo na vida, a dinâmica do ser bebe inevitavelmente na fonte dos contrastes e seus múltiplos lampejos. Haveremos de achar o caminho do meio.
* Para abrir as escutas, clique aqui
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (VII)
PONTUAL
Sylvia Araújo
E dentre maus tratos e destratos, fez-se um silêncio cortês.
Brotou da estrutura doce do teu fel um mantra de paz.
Talvez nem me queira mais, e eu ainda aqui,
desarmando meu peito-armadilha fissurado em emboscadas.
Não é de hoje que me corrompe as ideias o teu caso obstinado com o vento.
Sempre soube que tuas asas flanam onde meus braços não alcançam.
Sequer tenho braços, quando teu calor aquece meu frio.
Sequer tenho a mim.
Com ares de dama da noite,
que só presenteia com sua beleza e suspiro em hora marcada,
me frequenta quando convém.
E o pior de tudo é que me contenta o sutil detalhe
do minúsculo tempo que me oferta já partindo.
Você parte sempre.
E me reparte - poema insosso.
(Sylvia Araújo é Assistente Social de formação, trabalha com literatura e artes em geral, coordenando um projeto voltado para adolescentes, em uma comunidade em Cascadura - zona norte do Rio de Janeiro. Perdidamente apaixonada pelas letras desde que aprendeu a falar, faz delas seu caminho. Por isso escreve e rodopia descalça, abraçada apertado em palavras, todos os dias no meio da sala)
Foto: Ricardo Sena
AURIRUBRO
Para Caio F.
Milena Martins
Quando ele se aproximou de mim naquela manhã (a praça muito cheia, sol, as sombras das folhas do flamboyant ainda sem flores dançando sobre as páginas do meu livro), senti um reconhecimento. Inexplicável. E insistente. Eu nunca o tinha visto, afinal.
As crianças competiam pelos brinquedos, com uma crueldade brutal no deboche da vitória (o puro instinto, lembrei, pensando em alguma coisa de psicanálise que li quando ainda não tinha capacidade pra entender - hoje terei? Não acho. Não ligo.) e seus gritos competiam com os pássaros, que nunca têm plateia, pobres coitados. Era esse o som do silêncio, a minha paz, sem as brigas lá de casa, sem os barulhos do trânsito, sem o pagode gospel no último volume vindo do vizinho do terceiro andar, eu morava no nono (deve ser pra Jesus escutar o louvor lá do céu, eu sempre concluía).
Foi então que ele chegou. Sentou do meu lado, calmo, uma figura alta, magra, doce e muito, muito mesmo, imponente e agressiva na sua luz. Acho que era isso. Ou só era familiar, e o resto eu inventei.
Gosta?, ele perguntou, apontando pro meu livro.
Só então notei a presença do senhor grisalho ao meu lado no banco da praça. Não tive coragem ainda de olhar pra ele e, como de costume (um impulsivo e irritante costume), perguntei de volta:
Oi?, e, sem deixá-lo repetir (outro costume irritante), respondi que Sim, gosto muito. É meu livro preferido.
Ele ficou em silêncio, e me deu espaço (ou senti isso) pra olhar bem fundo nos seus olhos fundos, castanhos. Ele devia ter quase sessenta (acho) e tinha uma pinta negra no nariz (longo, agudo, imponente como tudo nele). Quase não tinha cabelos e a barba de três dias, mal-feita, me fazia lembrar do homem que Dana de Avalon esperava encontrar (que vai encostar seu joelho quente na minha coxa fria, lembrei do conto, mas nunca lembrava o resto, nunca lembrava nada mesmo, nem o aniversário da minha mãe). Um sotaque gaúcho, reconheci na voz dele, e não liguei, que o Rio de Janeiro é mesmo a metrópole dos renegados (sobretudo os que querem praia), daqueles que pensaram em fugir mas erraram o alvo.
Estava olhando pro chão o homem, quando olhei pra ele, e se voltou pra mim tão rápido que não pude desviar. Seu olhar me pegou muito fundo. Então não quis desviar, simplesmente me recusei, e permaneci naquele silêncio muito mágico, muito cheio de crianças más e pássaros maus naquela praça má do mundo mau onde vim cair, mas tudo tão bonito, ele tão bonito, eu (pra surpresa minha, pensei) tão bonita, o silêncio tão forte, tão bonito.
E do que mais você gosta?
(Que coisa a se perguntar. Gosto de tanta coisa, afinal!)
De flamboyants, de cantar Don't stop me now, de tomar porre de vinho (Oiro da Beira, de preferência), ouvir Dream Theater, desenhar olhos nos cadernos dos outros, ficar sentada no escuro de vez em quando, dormir no abraço do meu noivo Pedro Artur. E eu gosto dele (apontei o livro com os olhos), do que sinto quando estou com ele, mergulhada nesse universo. Gosto desses dragões, que nunca morarão mesmo comigo - nem com ele moraram. Ele dizia que queria que alguém o amasse por alguma coisa que ele escreveu. E eu nunca vou encontrá-lo e dizer a ele que eu o amo, eu o amo muito, tanto, infinitamente. Por cada palavra.
O homem tirou do bolso do casaco um maço de mentolados (embalagem tão antiga me pareceu), acendeu e tragou sete vezes, talvez pra dar sorte. Em silêncio, olhava as crianças, talvez se despedindo ou querendo que calassem a boca (quem sabe se não gostava delas, as crionças, who knows?). Depois voltou o olhar pra mim (vermelho estava o olhar), última vez, despedida. E disse meio baixo:
Você gosta de flores vermelhas. Eu gosto de girassóis. Amarelos. Talvez combinem. Espero que sim.
Levantou, então, e ficou tão alto que me senti pequena sentada ali, tendo que virar tanto o pescoço pra cima. Eu era mesmo muito pequena, anyway:
Obrigado.
Ele se afastou e sumiu no tempo, no espaço, por trás dos flamboyants da praça, dos coqueiros, do canteiro de flores roxas, nenhum girassol (uma pena). E fechei o livro, porque não conseguia mais avançar uma linha. Eu já tinha lido tantas vezes mesmo, eu já conhecia cada frase de cor.
Abracei aquele livro como se abraça um bebê pequeno, que é frágil, que dá vontade de apertar mas não pode. Abracei tão forte que já teria matado o bebê. E só então olhei a capa. Os olhos da capa. O rosto da capa. O homem da capa. Me assustei.
E acordei.
(Milena Martins é contista e poeta. É autora dos livros Palácio de Pedra (Litteris, 2006) e Promessa Vazia (Multifoco, 2010). Cursa mestrado
Foto: Ricardo Sena
JANELA POÉTICA (VIII)
CIRCUNSTÂNCIAS
Hilton Valeriano
Vês a aparente necessidade de todas as coisas?
Aceite-as em sua fragilidade essencial.
Acolhimento e recusa aguardam incautos andarilhos.
Vês a perplexidade de todos os fatos?
Aceite-os em sua precária alegria de ser.
Resignação e esquecimento aguardam altivos andarilhos.
Acaso reclamas os despojos de tua derrota?
Soma de nulidades!
Todas as circunstâncias são inelutáveis.
(Hilton Valeriano é professor de filosofia formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Residente em Hortolândia - SP. Tem poemas publicados nas revistas Jornal de Poesia, A Cigarra, Veropoema, Germina, Zunái, Sibila)
Foto: Ricardo Sena
* As imagens do baiano Ricardo Sena nos ofertam as gentes e seus ritos. Aos poucos, populações ribeirinhas, vilarejos, cidades históricas, manifestações folclóricas, dentre outros, dialogam com o modo solitário do fotógrafo captar a luz. Importa-lhe o gestual anunciado em cada figura humana retratada, suas expressões mais espontâneas e retidas numa rotina que sabe dos dias um universo particular de redescobertas.
Ricardo ousa externar com maestria a temática do homem e do mar. Nesse afluxo de águas, os seres misturam-se indefinidamente, fazendo parte de uma mesma matéria, lugar que sabe de esperas, de ausência e de preces íntimas. Há 13 anos o artista se lança ao desafio de reter do mundo a densa relação que une o homem à natureza. Entre ele e o objeto captado há um taciturno pacto de não se romper o vigor peculiar das coisas, tampouco retirar-lhes a essência própria. Acredita que, para a boa fotografia, deve-se beber da fonte dos mais variados gêneros artísticos como importantes ferramentas criativas. Atualmente, está lançando-se ao desafio de reunir trabalhos de uma década sobre o homem nordestino, tudo numa clara intenção de dar voz e força a quem passou e passa despercebido pela nossa turva memória histórica.